O jurista francês Joseph Barthélemy acreditava, em 1912, que a representação proporcional se difundiria tanto que não teria concorrentes na democracia, do mesmo modo que ocorre com o sufrágio universal (Blais e Massicotte, 2002, p. 41). Fazia total sentido, visto que a mesma ideia de eqüidade está presente tanto na proporcionalidade como na universalidade. Entretanto, sua previsão não se concretizou e ainda enfrentamos uma idiossincrática campanha de alguns políticos e de boa parte da mídia para adotarmos um sistema eleitoral majoritário.
A adoção de sistemas eleitorais proporcionais de lista (seja ela aberta, fechada ou outra variação) é amplamente difundida, especialmente na América Latina e na Europa, sendo utilizados em cerca de 60% dos regimes democráticos, um percentual que se mantém mais ou menos constante desde os anos 1920, segundo Blais e Massicotte (2002, p. 41). Entretanto, isso não significa, paradoxalmente, que as diferentes correntes de opinião da população estejam proporcionalmente representadas nos parlamentos. Partidos são sub ou sobrerrepresentados no número de candidatos eleitos em relação a suas votações também em todos os países do mundo que adotam sistemas eleitorais de representação proporcional para a eleição de seus parlamentares. Por que isso ocorre?
É amplamente difundida a ideia de que é preciso adotar meios para a “correção” de um suposto “pluralismo exagerado” que, nos termos de Sartori (1996), decorreria da adoção de sistemas eleitorais proporcionais, e existem variados mecanismos para se alcançar resultados que desviam de uma plena proporcionalidade. Não há um só sistema eleitoral no planeta que não contenha pelo menos um ou dois desses elementos de desproporcionalidade.
Em sua obra clássica Capitalismo, Socialismo e Democracia, Schumpeter (1961, p. 331) afirmou: “É, na verdade, óbvio que a representação proporcional dará oportunidades não apenas a todos os tipos de idiossincrasias, mas impedirá que a democracia forme governos eficientes, e constituirá um perigo em tempos de crise.” Até hoje, um argumento freqüentemente levantado contra os sistemas proporcionais é o de que eles levam a uma fragmentação partidária excessiva (por exemplo: Shugart, 2003, p. 47; Rahat e Hazan, 2005). Mesmo autores que defendem a representação proporcional, por vezes, partem do mesmo pressuposto e julgam necessária uma limitação na proporcionalidade, como José Antônio Giusti Tavares, que afirma que “[…] a fórmula Sainte-Laguë sofre de um defeito em comum com a fórmula de cociente Hare e dos maiores restos: ambas estimulam as cisões partidárias e, em última instância, a fragmentação do sistema partidário” (Tavares, 1994, p. 176) e também que uma “magnitude distrital média lhe permite [ao sistema eleitoral] produzir o seu ótimo funcional em termos de proporcionalidade […]; operando além dela, incrementa a proporcionalidade, mas a taxas rapidamente decrescentes, com os graves custos institucionais inerentes à elevação da magnitude distrital, e corre o risco de provocar o fracionamento do sistema partidário parlamentar.” (Tavares, 1994, p. 53) .
Este artigo vai explicar os diferentes mecanismos que permitem que haja resultados desproporcionais mesmo quando não se adotam sistemas eleitorais que obviamente não têm a proporcionalidade como objetivo, tais como todos os sistemas majoritários – inclui-se aí o uninominal de “plurality”, comumente chamado vulgarmente no Brasil, fora do meio acadêmico, de “distrital”.
Divisão do país em mais de um distrito eleitoral
O primeiro mecanismo que limita a proporcionalidade entre a votação recebida pelos partidos e sua distribuição de cadeiras legislativas é a própria subdivisão do país em diferentes distritos eleitorais. O motivo é simples: é praticamente impossível haver plena proporcionalidade, pois o número de vagas em disputa é sempre muito inferior à quantidade de eleitores.
Quanto menor for o número de cadeiras em disputa, maior é a quantidade relativa de eleitores que não conseguem eleger representante, seja porque seus votos foram dados a partidos pouco votados, seja porque não completaram uma quantidade suficiente para que tais agremiações elegessem mais um parlamentar. Quando se divide um território em distritos, aumenta-se a chance de que uma parcela do eleitorado que, unida, fosse capaz de assegurar uma cadeira, se divida em duas ou mais parcelas incapazes de alcançar a representação. Multiplica-se, assim, um problema que já existiria em alguma medida mesmo que todo o território fosse um distrito eleitoral único.
Em casos de federações ou territórios muito extensos, pode ser difícil haver um só distrito, mas quanto maior o número de distritos, mais haverá sub-representações. A Holanda, Israel e a Eslováquia utilizam apenas um distrito eleitoral nacional, o que é um fenômeno incomum nos sistemas representativos em geral. Isso diminui o peso das sobras dos votos.
Se a extensão territorial ou os regionalismos inviabilizarem a utilização de uma só lista nacional, ainda assim a desproporcionalidade pode ser eliminada utilizando-se a alternativa alemã para a parte não-majoritária do seu sistema misto . Lá, as listas são estaduais, mas o cálculo das bancadas dos partidos é nacional. Depois, no entanto, calcula-se por meio de uma fórmula proporcional quantas das cadeiras de cada partido serão ocupadas por candidatos de cada estado (Saalfeld, 2005, p. 214). Essa solução é perfeitamente viável em qualquer sistema proporcional de lista.
Distritos eleitorais de baixa magnitude
A magnitude eleitoral se refere ao número de cadeiras em disputa em cada distrito. Esse, talvez, seja o principal causador de distorções na proporcionalidade. Quanto menor a magnitude, menor é a proporcionalidade. É justamente este o motivo de a subdivisão do território em mais de um distrito afetar a proporcionalidade: ela faz com que os distritos tenham magnitude menor.
Basta que os distritos tenham dois deputados e se use uma fórmula eleitoral proporcional na alocação das cadeiras para que o sistema eleitoral já seja, em geral, considerado como de representação proporcional, apesar de seus resultados absolutamente desproporcionais e muito semelhantes aos dos sistemas uninominais. É o caso da Espanha e do Chile. O sistema binominal chileno, a propósito, só não leva a um número ainda menor de partidos legislativos porque as candidaturas em geral se apresentam em coligações, em que os partidos aliados dividem suas duas candidaturas em cada distrito.
A adoção de uma baixa magnitude nos distritos nada mais é do que um agravamento do problema da adoção de muitos distritos no país: aumenta-se o desperdício dos votos, com implicações diretas na proporcionalidade. Em países com um único distrito nacional para a eleição proporcional, mantidas iguais a fórmula adotada e todas as demais regras eleitorais, quanto maior o tamanho do parlamento em relação ao número de eleitores, maior deverá ser a proporcionalidade partidária.
É também por isso que sistemas majoritários uninominais geram sempre resultados tão desproporcionais. Distritos uninominais são aqueles com magnitude igual a 1, ou seja, em que se elege um único parlamentar, e em que cada partido ou coalizão só pode lançar um candidato. Isso significa que todos os eleitores que não votaram no vencedor jogarão seu voto fora e não ajudarão a eleger outro candidato do partido que escolheram. O percentual de eleitores que não tem seu voto aproveitado aumenta quanto menor for a magnitude do distrito.
Fórmula Eleitoral
As fórmulas eleitorais utilizadas para a conversão de votos em cadeiras legislativas nos sistemas proporcionais se dividem entre as de “maiores médias” e as de “maiores sobras”. Nas fórmulas de maiores médias, os votos recebidos pelos partidos são divididos em séries e os partidos que recebem os maiores valores preenchem as vagas. As três fórmulas utilizadas em eleições nacionais de países democráticos são a D’Hondt – de longe a mais adotada, em que os votos são divididos pela série 1, 2, 3, 4, 5 etc –, a Sainte-Laguë – a divisão é pelos números ímpares, ou seja, por 1, 3, 5, 7, 9 etc – e a Sainte-Laguë Modificada – semelhante à anterior, mas com o primeiro divisor diferente: é 1,4 em vez de 1.
A popular fórmula D’Hondt, chamada nos Estados Unidos de Método Jefferson, tem um caráter fortemente enviesado de sobrerrepresentação dos maiores partidos e sub-representação dos menores. A Sainte-Laguë, conhecida como método Webster nos Estados Unidos, não tem qualquer viés, de modo que, se a proporcionalidade não for possível, ela poderá beneficiar os maiores ou os menores, indistintamente; só é utilizada na parte proporcional do sistema misto da Nova Zelândia (Nicolau, 2002). Já a Sainte-Laguë Modificada, utilizada na Noruega e na Suécia, foi desenvolvida para beneficiar os maiores – o que não ocorre na versão original – mas sem prejudicar os pequenos tanto quanto a D’Hondt.
Além dessas, há outras variações de fórmulas de maiores médias, como a Imperiali – que já foi utilizada na Itália e é ainda mais favorável aos maiores do que a D’Hondt, tendo como divisores 1, 1,5, 2, 2,5, 3 etc – e a Dinamarquesa, que é enviesada em prol dos pequenos partidos, tendo como divisores 1, 4, 7, 10, 13 etc (Gallagher e Mitchell, 2005; Nicolau, 2002) – mas só é utilizada na Dinamarca e para definir dentro de cada partido a distribuição de suas cadeiras entre as regiões, não interferindo na alocação de cadeiras entre as agremiações partidárias (Tavares, 1994, p. 181).
Nas fórmulas de maiores sobras, calcula-se uma quota – os votos de cada partido são divididos por ela – e os partidos ocupam o mesmo número de cadeiras que corresponde ao número de vezes que preencherem a quota; as cadeiras que sobrarem serão distribuídas para aqueles partidos que estiverem mais próximos de atingirem a quota novamente. Apesar de – do mesmo modo como ocorre com as fórmulas de maiores médias – ser infinito o número de possibilidades de fórmulas de maiores sobras, entre estas também não são muitas as utilizadas ou relevantes. São elas a quota Hare, também chamada de Niemeyer na Alemanha– a quota é o número de cadeiras em disputa –, a quota Hagenbach-Bischoff – a quota é igual ao número de cadeiras + 1 –, a quota Droop – muito semelhante à anterior, mas calcula-se 1+ votos/cadeiras+1 em vez de votos/cadeiras+1 –, e a quota Imperiali (a quota é o número de cadeiras + 2 e nada tem a ver com a fórmula Imperiali de maiores médias). Apesar de intuitivamente se poder pensar que quanto menor a quota (ou seja, o divisor) mais fácil é para os pequenos partidos, na verdade os maiores partidos são os beneficiados, pois aumentam suas chances de serem eles os que ficarão com as sobras de cadeiras. Apenas a quota Hare não tem viés, e a quota Imperiali é ainda mais enviesada que a Droop e a Hagenbach-Bischoff (Gallagher e Mitchell, 2005; Nicolau, 2002).
A quota Hare e a fórmula Sainte-Laguë não têm viés e alcançam resultados semelhantes, podendo, quando uma perfeita proporcionalidade não for possível, beneficiar tanto os maiores partidos como os pequenos, ao acaso. Os nove métodos mencionados – quatro de maiores sobras e cinco de maiores médias – estão ordenados no quadro abaixo de acordo com o seu viés, o qual é indicado pelas setas. As três faixas de sombreado indicam: aquelas que beneficiam os maiores partidos; as que são neutras; e a que favoreceria os pequenos caso fosse usada para a distribuição de cadeiras entre os partidos.
Desproporção entre cadeiras e distritos
Esse fenômeno é chamado pela literatura internacional em inglês de malapportionment. Alguns distritos são sobrerrepresentados, tradicionalmente os de áreas periféricas e rurais (Gallagher e Mitchell, 2005, p. 14), enquanto outros são sub-representados. Tavares (1998, p. 304) afirma ser esse o caso do Brasil, onde haveria “a superrepresentação dos partidos cujo voto se concentra nos colégios eleitorais estaduais menos populosos, oligárquicos, paroquialistas e tradicionalistas do Centro-Oeste, do Norte e do Nordeste e a sub-representação daqueles cujo voto se concentra nos colégios eleitorais estaduais mais populosos, modernos, industrializados e urbanizados do Sudeste e do Sul”.
Há, assim, um desrespeito ao pressuposto mais óbvio da proporcionalidade: para cada indivíduo, um voto. O voto de eleitores de determinadas regiões acaba tendo um peso superior ao de outras. Dois casos célebres desse problema são o espanhol e o brasileiro.
No Brasil, o estabelecimento de um piso de oito deputados e de um teto de 70 para os distritos eleitorais sub-representa alguns estados – notadamente São Paulo – e sobrerrepresenta outros – principalmente no Norte, como o Acre, Rondônia, Tocantins e Roraima. A tabela 1 mostra a desproporcionalidade da relação votos/cadeiras entre os estados brasileiros, que funcionam como distritos eleitorais.
A situação da Espanha é ainda pior. Como há um mínimo de três cadeiras por distrito e um número elevado de distritos (são 52 , para 350 cadeiras, de modo que o efeito desproporcional do malapportionment se acumula com o da baixa magnitude), 29% das cadeiras – ou seja, 102 – são distribuídas em função dessa regra e não da proporcionalidade. Assim, em um exemplo famoso, cada uma das 34 cadeiras de deputado por Madri é alocada para cada 127.387 votos, enquanto que para conquistar uma das três cadeiras de Soria bastam apenas 26.177 votos (Hopkin, 2005, pp. 378-379; Blais e Massicotte, 2002, p. 45; Matuschek, 2003, p. 341; Gallagher e Mitchell, 2005, p. 609).
Um terceiro exemplo ilustrativo do malapportionment é a Argentina. Rojo (1998, pp. 136-138) observa que na Terra do Fogo a razão é de um deputado para cada 13.890 habitantes, contra um para cada 156.725 na província de Buenos Aires. A sobrerrepresentação de La Rioja, por sua vez, chegaria a 400%. O autor chama a atenção, no entanto, para o fato de essa “anomalia eleitoral” contrabalançar o peso – ou a “macrocefalia” – que as populosas capital federal e província de Buenos Aires têm nas eleições presidenciais.
Cláusula de barreira ou de exclusão
Esta é uma forma mais explícita de excluir minorias do parlamento do que a baixa magnitude ou a sub-representação dos grandes centros urbanos por meio do malapportionment. Especifica-se um percentual de votos e aqueles partidos que não atingirem essa marca não poderão eleger qualquer deputado. Blais e Massicotte (2002) afirmam que apenas dez países, entre os 29 que utilizavam a representação proporcional, não adotavam nenhuma cláusula de barreira (threshold, na literatura internacional em inglês). Há países que exigem percentuais elevados, como os 10% da Turquia ou os 7% da Polônia, mas números mais modestos já podem ter conseqüências profundamente antidemocráticas: na eleição de 1995 para a Duma russa, 40 partidos, que juntos somaram quase metade dos votos – 49,5% – não superaram a cláusula de 5% e ficaram de fora do parlamento (Blais e Massicotte, 2002). A exclusão da representação de metade da população não parece ter incomodado os legisladores eleitos, pois a cláusula aumentou para 7% na Rússia a partir de 2007.
Sobrerrepresentação do primeiro colocado
Há casos de desproporcionalidade mais explícita não só em relação à parte de baixo do quadro de votação mas também à de cima. Há sistemas eleitorais que dão bônus de cadeiras para o primeiro colocado, com a intenção de facilitar a governabilidade – naturalmente, às custas da vontade de quem votou em todos os demais partidos.
A Itália tem dois exemplos. Para a eleição de 1953, com a intenção de sobrerrepresentar os centristas e sub-representar os comunistas e os neofascistas, foi estabelecida uma quantidade de cadeiras adicionais para o partido ou a aliança que superasse os 50% dos votos, de modo que ele(a) ficaria com 380 das 590 cadeiras, ou seja, com dois terços delas (Katz, 2005, p. 63). Aquela regra eleitoral, que foi novamente usada em 1958, ficou conhecida como “lei da trapaça” (“legge truffa”). A ideia era especificamente a de beneficiar a Democracia Cristã, que, no entanto, não conseguiu tirar proveito da regra, ficando poucos milhares de votos abaixo dos 50%.
O outro exemplo é mais contemporâneo. Foi aprovada em 2005 uma lei um pouco diferente daquela, para não repetir a frustração da DC. A nova regra, que supostamente beneficiaria os partidários de Berlusconi, acabou, contra todos os prognósticos, por privilegiar seus adversários de centro-esquerda. Por esta lei, “é premiada com o bônus majoritário a maior coalizão, independentemente se obteve ou não de fato uma maioria absoluta de votos ou cadeiras” (Kreppel, 2006, p. 20). O partido ou coalizão mais votado, se não tiver conseguido conquistar 340 cadeiras ou mais – isto é, 54% delas –, seja qual for a sua votação ou o número de deputados originalmente eleitos por ele(a), ganha um bônus de cadeiras até alcançar esse número. A desproporcionalidade do sistema italiano pode ser vista na tabela 2.
As tabelas 3 e 4 mostram a desproporcionalidade dos sistemas políticos espanhol e brasileiro, respectivamente, apesar de ambos usarem a representação proporcional. A Espanha adota os cinco primeiros mecanismos de limitação da proporcionalidade citados neste artigo. Já o Brasil, além de utilizar a fórmula D’Hondt e de ter um flagrante problema de malapportionment, adota o quociente do distrito como cláusula de barreira, o que não é problema para os partidos pequenos nos maiores distritos, todavia é, sim, nos de menor magnitude.
Israel, apesar de ter uma cláusula de barreira – que era de 1,5% em 2003 e que aumentou para 2% no ano seguinte – e de utilizar a enviesada fórmula D’Hondt, atinge resultados razoavelmente proporcionais – constantemente apontados pela literatura de ciência política como exageradamente proporcionais (Shugart, 2003, p. 47; Rahat e Hazan, 2005) –, pelo fato de utilizar apenas um distrito eleitoral, que abrange todo o território nacional, como se pode observar na tabela 5.
Nas tabelas 6 e 7, a seguir, é apresentada uma simulação de como, mantidos os atuais padrões de votação, ficariam as bancadas partidárias nos parlamentos brasileiro e espanhol se não se aplicasse qualquer dos mecanismos redutores de proporcionalidade. O cálculo foi baseado na fórmula pura de Sainte-Laguë e na consideração de todo o território nacional como um só distrito eleitoral. Presente em ambas as tabelas, a comparação com a distribuição efetiva das bancadas, dentro das regras vigentes nos dois países, deixa patente o efeito de deturpação da vontade do eleitorado produzido pelas regras redutoras de proporcionalidade.
Considerações finais
A adoção do índice de desproporcionalidade Least Squares Index (LSq), desenvolvido por Michael Gallagher, ajuda na visualização do impacto dos mecanismos de desproporcionalidade discutidos neste artigo.
Conforme explicam Gallagher e Mitchell (2005, p. 603), o cálculo do índice pode ser representado pela fórmula: LSq = ?{[(?(ci- vi)2]/2}
Não é preciso se assustar com a fórmula, que é explicada pelos próprios autores. O cálculo é realizado nas seguintes etapas:
a) Para cada partido, transformar os percentuais de votação e de cadeiras conquistadas em números decimais e tirar a diferença entre eles;
b) Tirar o quadrado desses valores;
c) Somar os quadrados;
d) Dividir o resultado dessa soma por 2;
e) Tirar a raiz quadrada desse número e passar o resultado para percentagem.
O índice de Gallagher encontrado nos sistemas de maioria simples (“plurality”) ou absoluta (dois turnos), como se pode ver na tabela 8, é alarmante, apesar de só ser computado, obviamente, o efeito mecânico dos sistemas eleitorais, e não o psicológico, que já sub-representa a maior parte das agremiações em função do voto estratégico (sobre isso, ver Blais e Massicotte, 2002). Já sistemas de representação proporcional com regras de redução da proporcionalidade apresentam resultados bem mais razoáveis, mas não passam incólumes no teste.
Os mecanismos de redução da proporcionalidade citados neste artigo podem ter um efeito ainda mais grave do que a não-adoção de um sistema proporcional de lista. A tabela 8 não representa, obviamente, qualquer pretensão de generalizar comparações sobre quais regras levam mais à desproporcionalidade do que as demais, posto que se utiliza de exemplos pinçados e não de um banco de dados com significativa amostragem para permitir uma comparação estatística. Mesmo assim, ela é ilustrativa, e mostra que, pelo menos em alguns casos, o malapportionment no sistema proporcional de lista pode levar a uma proporcionalidade menor do que a da sobrerrepresentação dos partidos com muita força nos distritos que ocorre no sistema misto alemão.
A simulação do cálculo da alocação de cadeiras de votações reais mas dentro de regras mais proporcionais – um único distrito nacional e fórmula Sainte-Laguë – deixou o índice de Gallagher abaixo de 1. Na simulação, todos os partidos foram sobre ou sub-representados por menos de 0,2 ponto percentual no Brasil e por menos de 1 ponto percentual na Espanha. A diferença entre os dois países se explica pelo fato de que a magnitude do distrito nessa hipotética eleição brasileira realmente proporcional seria 513, enquanto que o da espanhola seria 350. Como se explicou, quanto mais reduzida é a magnitude do distrito, mais desproporcional em relação à votação é a distribuição das cadeiras.
A probabilidade de haver alguma desproporcionalidade é inevitável, posto que não há tantas cadeiras em disputa quanto eleitores, mas a sua redução a um nível o mais desprezível possível é questão de justiça na distribuição de poder, de que não haja um enorme desperdício de votos, de que o voto de todos valha o mesmo e de que nenhuma corrente de opinião seja excluída da representação.
***
Guilherme Simões Reis
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