No final do mês anterior, alguns partidos “mais à esquerda” ou ditos “progressistas” no Rio de Janeiro, aliados a movimentos sociais, começaram no dia 16/11/2017 uma campanha convocando a população a marchar no dia 17/11/2017 até a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro para pedir a prisão de Jorge Picciani (presidente da Alerj), Paulo Melo e Edson Albertassi. Os três políticos vinculados ao PMDB estão envolvidos em escândalos de corrupção, lavagem de dinheiro, associação criminosa e evasão de divisas. Estes foram investigados pela Operação Cadeia Velha e condenados pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Entretanto, para a decisão da prisão preventiva ser realizada era necessário que esta fosse submetida também ao legislativo.
Por conta disso foram cosidos dentro da Alerj acordos para que estes políticos fossem poupados da prisão preventiva, e, uma vez que os mesmos eram nomes de grande influência na Assembleia, poderiam alcançar a maioria parlamentar. Com isso, a probabilidade de obterem êxito e se manterem em liberdade era alta e não houve surpresas quando foram revogadas as prisões na Assembleia. Este seria o motivo pelo qual os partidos de esquerda e grupos sociais estariam pedindo a população que participasse desta manifestação pró manutenção da decisão pelo encarceramento, para que os deputados fossem pressionados a não votar em prol da liberdade dos peemedebistas. Segundo o jornal O Globo do dia 14/11, um dos procuradores do Ministério Público Federal, Carlos Aguiar, também evocou a população a “reagir”, uma vez que este seria um momento para “exercer a cidadania” através da manifestação pró prisão preventiva destes políticos. Mesmo com a “absolvição” dos políticos na Alerj, passados quatro dias, os desembargadores do Tribunal Regional Federal determinaram por unanimidade que os envolvidos deveriam voltar à prisão.
O PMDB governa o Rio de Janeiro desde 2004, a partir do governo de Rosinha Garotinho, e seguido desta, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão também foram políticos advindos do mesmo partido. O PMDB também esteve a frente da prefeitura da cidade durante toda a gestão de Eduardo Paes (2009 – 2016). Portanto, a atual situação de grave crise fiscal no Rio de Janeiro está intimamente ligada com a gestão que este partido teve ao longo dos últimos anos. Logo, não há como diminuir a importância destes desvios de verba dos políticos envolvidos com o sofrimento dos cidadãos fluminenses, a situação precária dos hospitais, a possibilidade de fechamento da UERJ, a falta de pagamentos de mais de 200 mil servidores, entre outras sevícias pelas quais a população está sendo submetida.
Entretanto, defender o aparato punitivo como possibilidade de resolução desta situação de calamidade a qual se encontra o estado não possui qualquer coerência com as pautas antipunitivas que em teoria seriam defendidas pela esquerda. As contas do Rio de Janeiro não serão resolvidas com a prisão destes deputados, pelo contrário, o aumento da população prisional só gera mais gastos públicos.
Pensamentos mais críticos poderiam enxergar o entrelaço que existe entre o hiperencarceramento brasileiro na atualidade e a crise fiscal do Rio de Janeiro. E assim, quem sabe, através de uma agenda de esquerda propositiva enfrentaríamos tais problemas. Partiríamos do pressuposto de não defender a manutenção das prisões preventivas que são expoentes do fenômeno do hiperencarceramento. Segundo os dados da Comissão Nacional de Justiça de 2017 temos cerca de 22.942 presos provisórios no Rio de Janeiro, o que configura aproximadamente 45% do contingente de pessoas encarceradas no estado.
Os dados a respeito de presos provisórios são alarmantes, visto que muitas dessas pessoas poderiam estar respondendo os processos em liberdade. No Rio de Janeiro a média de dias que um preso provisório passa dentro da prisão é de 375 dias, no Brasil esse número é um pouco menor, 368 dias, segundo o relatório de 2017 da CNJ. Isso significa que muitos destes sujeitos terão perdido mais de um ano presos e poderão ser considerados inocentes. Não há as estimativas estatais, mas segundo o relatório A Aplicação de Penas e Medidas Alternativas realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, cerca de 37% dos que responderam ao processo presos no âmbito nacional não foram condenados a penas privativas de liberdade. Isso quer dizer que 81.789 pessoas no Brasil passam mais de um ano na cadeia aguardando julgamento e posteriormente são consideradas inocentes. Segundo o relatório: “o fato de que praticamente quatro em cada dez presos provisórios não recebem pena privativa de liberdade revela o sistemático, abusivo e desproporcional uso da prisão provisória pelo sistema de justiça no país”.
É imprescindível maturar alternativas para que o estado penal desinfle, ou seja, se buscarmos diminuir o contingente carcerário de jovens marginalizados, uma vez que percebemos nestes o espectro do que entendemos por seletividade penal, não poderemos nos distanciar da arbitrariedade também presente nas prisões preventivas dos nossos desafetos, como os deputados da linha conservadora. Sob a égide de “fazer justiça” as prisões preventivas vêm ganhando força com o fetichismo do pensamento punitivista de que: “se os detentores de grande capital financeiro agora estão sendo presos, a justiça estaria finalmente sendo alcançada”. Esse pensamento é ameaçador porque tangencia a autorização da prisão preventiva por todos os espectros ideológicos, aumentando a vulnerabilidade dos que costumamos chamar de “bodes expiatórios brasileiros”, jovens periféricos, negros, com baixa escolaridade, que costumam perder meses de suas vidas nas cadeias.
Pode parecer que essas palavras busquem relativizar a prisão justamente quando esta se mostra uma oportunidade viável para sujeitos com capital social, cultural e financeiro maior. Pelo contrário, a ideia é contestar a manutenção do sistema penal brasileiro como um todo e isso se faz imperativo quando saímos do campo dos nossos afetos. Trata-se de uma crítica a postura punitiva alargada também as ideologias de esquerda que deveriam se manter críticas as mesmas. É preciso que sejamos resistentes as políticas encarceradoras autoritárias independente dos alvos que estas mirem.
Se faz urgente a necessidade da proposição de alternativas viáveis que possam ajudar as vítimas do estado e não apenas contemplar os anseios punitivos. Essas podem ser medidas cíveis que tenham caráter emergencial como confisco, medidas pecuniárias diversas (que realizem através dessas promulgação de verba e repasses imediatos aos trabalhadores com salários atrasados, por exemplo), mediações, arbitragens, entre outras. A esquerda poderia pensar, propor e realizar medidas para alcançar estas ações ao invés de convocar passeatas que ampliam o poder do estado punitivista.
Vale ressaltar que a Comissão Nacional de Justiça firmou em 2017 um plano de ações determinadas nos tribunais para minimizar a situação dos presos provisórios no Brasil. Esse plano de ações tem algumas diretrizes que se postas em prática agilizariam o processo dos presos provisórios e também poderiam diminuir o tempo dos que serão absolvidos dentro das unidades prisionais, como: mutirões para antecipação de audiências, verificação de concessão de benefícios, aumento da implantação de audiências de custódia, intensificação no julgamento dos réus presos, análise de todas as prisões provisórias, criação de centrais para agilização processual e de medidas cautelares processuais, entre outras. Portanto, mais do que exigir novas prisões, se faz necessário que os órgãos competentes junto com a população pressionem para que esses acordos firmados sejam realmente realizados pelos tribunais.
Se não pudermos encontrar essas posturas críticas ao modelo punitivo atual nos movimentos sociais e partidos progressistas provavelmente os anseios da luta anticarcerária se afastarão e, com isso, a posteriori os vulneráveis serão os mais prejudicados.
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Tamires Maria Alves