Partidos: para quê? – Número 75 – 10/2012 – [263-273]

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A política e o sistema representativo nem sempre se organizaram em termos partidários e a própria existência de partidos, inclusive, foi por muito tempo vista como perniciosa para a unidade nacional e para a busca do “bem comum” (Manin, 1997). Hoje, no entanto, apesar da aparente perda de credibilidade e fragilização dos partidos como instituições mediadoras (Dalton e Wattenberg, 2000), eles seguem como elementos centrais no jogo político. Strøm e Müller (1999) chegam a afirmar que os partidos políticos são as organizações mais importantes na política moderna, sendo poucos os Estados que os dispensam em seus sistemas políticos. O motivo para isso seria o fato de os partidos desempenharem funções que são valiosas para muitos atores políticos.

Entretanto, nem todas as funções que são desempenhadas pelos partidos necessariamente precisariam deles para ser cumpridas, podendo ser exercidas por outros atores. Essa distinção, que não costuma ser claramente realizada, é relevante. A defesa normativa da importância da preservação dos partidos – que fundamenta boa parte das escolhas de desenho institucional – só faz sentido se ancorada em funções preferencial ou exclusivamente suas que são positivamente bem avaliadas.

Conceitualmente, é óbvia a possibilidade de uma alternativa aos partidos – que, aliás, nem sempre existiram e nem sempre estão presentes. Políticos individuais independentes podem, perfeitamente, unir-se em alianças ad hoc no parlamento. Muitas das funções dos partidos continuariam sendo cumpridas, por outros atores, nessa alternativa. A questão é identificar quais funções partidárias necessárias estariam ausentes, de modo a reconhecer se é benéfico para a política que haja partidos.

Todo o debate sobre o desalinhamento entre eleitores e partidos aponta para a crescente incapacidade destes de se adaptarem a uma situação de transformação da forma de fazer política, paralela ao exercício por outros atores de funções outrora indiscutivelmente da alçada dos partidos.

Inúmeros autores discutiram o que são os partidos e para que eles servem. O esforço aqui é o de pensar sobre quais, entre as funções levantadas, de fato precisam dos partidos para serem (bem) realizadas, de modo a confirmar a relevância deles para uma democracia de qualidade. Será mobilizada aqui uma pequena bibliografia a fim de problematizar a questão e elaborar, então, uma listagem dessas funções.

As funções dos partidos segundo autores clássicos e contemporâneos

John Kenneth White (2006) realiza um compêndio sobre teorias e opiniões acerca dos partidos ao longo da história do pensamento político desde o século XVIII, mencionando algumas funções dos partidos destacadas por diferentes teóricos. Para Anthony Downs, V.O. Key e William Chambers os partidos seriam importantes veículos de mediação projetados para organizar e simplificar as escolhas que o eleitor faz para influenciar as ações do governo. Além disso, diferentemente dos grupos de interesse, como observa Key, os partidos nomeiam candidatos e almejam ter responsabilidade pela administração do governo. Em 1888, James Bryce, citado por White, observou que os partidos eliminam o “caos da multidão de eleitores”, ou seja, eles organizam a política.

A Comissão sobre Partidos Políticos da Associação Estadunidense de Ciência Política enumerou em “Toward a More Responsible Two-Party System”, em 1950, os seguintes benefícios alcançados por partidos que sejam guiados por princípios: aos eleitores são dadas opções claras, o partido vencedor conquista um mandato para governar e garante-se que os partidos sejam um instrumento pelo qual os eleitores possam fazer uma “revolução legal”. Schattschneider, por sua vez, destacou a função da responsabilidade coletiva dos partidos de limitar conflitos.

White busca mais mostrar as controvérsias do que fazer uma análise do que é um partido e de quais são suas funções. Apenas descarta, a partir da difusão da internet, o papel dos partidos como fornecedores e filtradores de informações para o eleitorado, visto que os produtores e consumidores destas teriam se nivelado. Entretanto, em meio ao debate sobre se os partidos estão em decadência ou se estão se recuperando neste início de século XXI, ele é categórico: ou eles se adaptam às novas condições e se redefinem, com novas funções, ou definitivamente declinarão como instituições de mediação.

O livro organizado por Russell J. Dalton e Martin P. Wattenberg (2000), com colaboradores como Ian McAllister – Dalton, McAllister e Wattenberg (2000) –, Shaun Bowler (2000) e Kaare Strøm (2000), sistematiza melhor as funções dos partidos e, complementado por Strøm e Müller (1999), ajuda na reflexão do presente texto.

Dalton e Wattenberg (2000) utilizam a divisão de V. O. Key dos partidos em “partidos no eleitorado”, “partidos como organizações” e “partidos no governo” para listar algumas das funções dos partidos em cada um dos três níveis. No nível dos “partidos no eleitorado” estão as funções de a) simplificar as escolhas por votos, b) educar os cidadãos, c) generalizar símbolos de identificação e lealdade, d) mobilizar as pessoas para participar. Em “partidos como organizações”, Dalton e Wattenberg incluem a) recrutar lideranças políticas e buscar cargos no governo, b) treinar elites políticas, c) articular interesses políticos, d) agregar interesses políticos. No nível dos “partidos no governo” estão as funções de a) criar maiorias no governo, b) organizar o governo, c) implementar objetivos acerca de políticas, d) organizar o dissenso e a oposição, e) assegurar a responsabilidade pelas ações do governo, f) controlar a administração do governo, g) promover a estabilidade no governo.

As funções dos partidos no eleitorado

A função de simplificar as escolhas por votos, sistematizada por Morris Fiorina dentro da perspectiva da escolha racional e destacada por Key, Downs e Chambers, é exclusiva dos partidos. Ela tem, conforme observam Dalton e Wattenberg (2000, p. 6), subjacente a ela, a relação entre partidos terem posições políticas claras e consistentes e os eleitores terem boa informação para saberem em quem votar e reconhecerem que partido defende o quê. Se isso ocorre, fica muito mais fácil para os eleitores tomarem suas decisões, a partir de suas próprias preferências.

Por outro lado, a função de educar os cidadãos – que inclui a informação e o convencimento do público, bem como a seleção de quais questões merecem destaque e atenção – é justamente a que White (2006) descarta a partir da difusão da Internet.

A função de generalizar símbolos de identificação e lealdade é apontada como uma força estabilizadora da democracia, que deixaria o eleitor menos suscetível a líderes demagógicos e oportunistas. Essa é a questão central abordada por Dalton, McAllister e Wattenberg (2000, p. 38), que alertam para o problema do enfraquecimento da identificação dos eleitores com os partidos, afirmando que haver tais laços muito disseminados reduziria o impacto de eventos de curto prazo sobre os resultados eleitorais, assim como a manipulação e o apelo demagógico de novos partidos e de personalidades políticas.

Os autores superestimam a importância da fragmentação partidária para a lealdade aos partidos (ora, se um partido se divide em dois e seus eleitores seguem votando em um deles, não se pode dizer que se fragilizaram seus laços com os partidos) e também naturalizam (não questionam) que a importância de um partido estaria associada à votação acrítica sempre nos mesmos partidos tradicionais. Uma preocupação fundamental deles é que, sem uma predisposição para votar em algum partido específico, o eleitor ficaria mais sujeito a votar de acordo com os temas de campanha e com questões de curto prazo, decidindo o voto ao longo da campanha ou mesmo no dia da eleição.

Dalton e Wattenberg (2000, p. 60) observam, entretanto, citando Franklin et al. (1992)[1], que o voto não definido previamente em função do partido (de modo alheio a um julgamento de suas ações concretas), com um encorajamento ao julgamento dos candidatos e partidos acerca das políticas que adotam e de seu desempenho governamental, poderia, como sustentam alguns, estar mais próximo do ideal democrático. Entretanto, os autores fazem isso brevemente e sem maior ênfase.

As questões tratadas por Dalton, McAllister e Wattenberg (2000), que abordam o desalinhamento entre eleitorado e partidos, estão ligadas diretamente à crescente incapacidade dos partidos de exercerem a função de “generalizar símbolos de identificação e lealdade”. Os autores chamam a atenção para um fenômeno marcante no cenário político mas fazem uma simplificação exagerada, ao dividirem a relação eleitor-partido em duas possibilidades categóricas e excludentes: 1) o eleitor se identifica com um partido tradicional e sempre vota nele, acriticamente independentemente de quem é seu candidato, de modo que o voto é previamente definido e eventos recentes não teriam grande impacto no resultado eleitoral; 2) o eleitor decide em quem vai votar com base nos temas de campanha e nos candidatos pessoais, sem se importar com os partidos, sendo facilmente manipulado com apelos demagógicos e não pensando em questões de longo-prazo.

Há uma série de premissas precipitadas nessa divisão bipolar e simplista. Por que votar sempre necessariamente no mesmo partido, mesmo que acriticamente, significa pensar a longo-prazo, não ser manipulado e não apoiar um programa demagógico? Por que analisar os temas de campanha e os eventos recentes implica ignorar questões de longo prazo e partidos, ser manipulado e votar em candidatos demagógicos? O “desalinhamento” também poderia levar a outro cenário bem mais promissor e não menos realista do que esse diagnóstico determinista: eleitores ordenariam os partidos de sua preferência, com base em seus projetos de longo prazo, e, levando em consideração quem seriam seus candidatos, quais seriam seus temas de campanha e quais teriam sido os eventos recentes, ponderariam criticamente em qual deles votar.

Votar em partidos diferentes não necessariamente significa uma inconsistência ideológica e programática: trocar o voto em um partido social-democrata por um voto nos comunistas ou nos ecologistas de esquerda não é o mesmo que deixar de apoiar os socialistas para votar nos conservadores ou na extrema-direita. Desse modo, tratar a volatilidade eleitoral como um fenômeno homogêneo em vez de analisar caso a caso pode levar a conclusões equivocadas, superestimando-se a irracionalidade e inconstância do eleitorado.

Ainda em relação à “generalização de símbolos de identificação e lealdade”, Dalton e Wattenberg (2000, p. 6) observam que “os partidos políticos fornecem uma base de identificação política que é separada da própria política, e assim a insatisfação com as medidas do governo podem ser direcionadas para instituições específicas em vez de ser dirigidas para o próprio Estado.” De fato, essa é uma questão-chave para a estabilidade democrática, mas parece ter menos a ver com a “generalização de símbolos de identificação e lealdade” do que com outra função dos partidos apresentada pelos próprios autores: “assegurar a responsabilidade pelas ações do governo”.

O quarto e último papel que Dalton e Wattenberg (2000) apresentam para os “partidos no eleitorado” é o de mobilizar as pessoas para participar. Segundo eles, isso ocorreria tanto diretamente – a motivação viria da lealdade do eleitor – como indiretamente – a simplificação das escolhas seria um incentivo para votar. Em síntese, mobilizar as pessoas para participar seria uma função de outros dois papéis dos partidos no eleitorado: generalizar símbolos de identificação e lealdade e simplificar as escolhas por votos. André Krouwel (2006) também aponta entre as muitas funções dos partidos a mobilização das pessoas por meio das campanhas políticas; entretanto, não se pode dizer que as campanhas têm invariavelmente que ser realizadas pelos partidos (em alguns casos, tanto a captação de financiamento como a organização da campanha e da propaganda são efetivamente de responsabilidade única ou predominantemente dos candidatos individuais), de modo que não se pode considerá-las como um papel exclusivo dos partidos.

Dalton, McAllister e Wattenberg (2000, p. 37) dizem que “o partidarismo provê um método altamente efetivo de organizar a informação política, de avaliar o estímulo político, de guiar as escolhas eleitorais e de levar à estabilidade política. O partidarismo é visto como a cola que une as diversas crenças políticas, que guia o comportamento e que serve como uma força estabilizadora dentro dos sistemas políticos”.

Assim, Dalton, McAllister e Wattenberg condensam as quatro funções dos partidos no eleitorado, pois o mesmo pode ser dito nestas palavras: os partidos têm as funções de educar os cidadãos, mobilizar as pessoas para participar, simplificar as escolhas por votos e generalizar símbolos de identificação e lealdade. White (2006) põe em cheque a primeira função e a última é criticável pelos argumentos acima apresentados. A mobilização do eleitorado não seria independente e sim uma função de dois outros papéis desempenhados pelos partidos. Portanto, só é um papel fundamental e exclusivo dos partidos no eleitorado o da simplificação das escolhas por votos.

As funções dos partidos como organizações

A função de recrutar lideranças políticas e buscar cargos no governo, conforme observam Dalton e Wattenberg (2000, p. 7), é uma das funções mais básicas de qualquer partido político, sendo fundamental para todas as definições clássicas de partido político. Entretanto, o fato de ser uma característica comum a todos os partidos não significa que ela não possa prescindir deles e, portanto, que ela seja uma função exclusivamente partidária. Isso fica óbvio pela presença de candidatos independentes em muitos países.

A função de treinar elites políticas se refere à socialização dentro dos partidos, pela qual a carreira passa primeiro pela militância, depois pelos cargos intrapartidários e, só então, pelos cargos eletivos. Essa não é uma função imprescindível para haver democracia, mesmo dentro de um critério exigente de democracia representativa, que contenha participação popular ativa e competitividade de alternativas substantivamente diferenciadas entre si (isto é, que seja muito desenvolvida nos dois eixos da poliarquia de Dahl: respectivamente o da “inclusividade” e o da “liberalização” ou “contestação pública”). Além disso, sequer é uma característica de todos os partidos[2].

A função de articular interesses políticos se refere a dar voz aos eleitores, defendendo seus interesses. Apesar de ser uma característica fundamental, sendo mencionada também por Strøm e Müller[3], a articulação de interesses políticos não é uma característica exclusiva dos partidos, conforme observam os próprios Dalton e Wattenberg, que constatam que grupos de interesse fazem o mesmo. É a quarta função dos partidos como organizações que os diferencia: agregar interesses políticos. Os partidos, portanto, não apenas articulam interesses como também os agregam em programas abrangentes. Esta é uma função importante e exclusiva dos partidos, como constatam Dalton e Wattenberg (2000, p. 8): “Os partidos políticos são uma das poucas organizações que devem combinar a articulação de interesses com a agregação de interesses, assim se distinguindo dos políticos individuais, dos grupos de interesse e de outros atores políticos.”

Strøm e Müller (1999) incluem as funções extraparlamentares das organizações partidárias de obter informações sobre o eleitorado e suas preferências, de mobilizar os eleitores e de obter fundos para financiar as campanhas eleitorais, e observam que tais funções podem ser realizadas com maior intensidade para o capital (pesquisas e propaganda) ou para o trabalho (militância, contato direto com o eleitor). Nenhuma dessas funções, entretanto, é exclusiva dos partidos, e possivelmente elas estão sendo cada vez menos da alçada deles (Swanson e Mancini, 1996; Farrell e Webb, 2000).

As funções dos partidos no governo

A primeira função dos “partidos no governo” apresentada por Dalton e Wattenberg é a de partidos ou coalizões de partidos formarem maiorias no governo. Entretanto, além de ser possível, ainda que difícil, formar governos apartidários, é enorme a freqüência de governos minoritários (Strøm e Müller, 2000, p. 561; Laver e Schofield, 1990, p. 70-81).

Outra função é organizar o governo, incluindo-se aí também a organização do processo legislativo, com a manutenção da disciplina e da cooperação entre os legisladores individuais. Por mais que seja possível imaginar blocos de parlamentares independentes de partidos ou ainda alianças ad hoc entre eles, é inegável que a existência de partidos facilita imensamente essa organização, além de eles serem a peça-chave para o funcionamento disciplinado e coerente da assembleia mesmo quando supostamente o sistema eleitoral incentivaria uma atuação individualista dos membros do parlamento[4].

Strøm e Müller (1999) observam que, com raras exceções, são de algum partido estabelecido os chefes do executivo eleitos e, com freqüência, o chefe do governo continua sendo o chefe de seu partido. Isto, entretanto, não diz nada sobre por que seria pior que o chefe do governo e/ou do Executivo não fosse ligado a um partido, diferentemente da questão do quanto os partidos facilitam a organização do governo e do Legislativo.

Uma terceira função apresentada por Dalton e Wattenberg – e também destacada por Strøm (2000) – é a de implementar objetivos acerca de políticas, o que é a derivação na esfera dos “partidos no governo” da agregação de interesses no âmbito dos “partidos no eleitorado”. Entretanto, um governo pode implementar suas políticas mesmo sem os partidos, não sendo, portanto, uma característica exclusiva.

Os “partidos no governo” têm ainda o papel de organizar o dissenso e a oposição. A importância disso é clara, nas palavras de Dalton e Wattenberg (2000, p. 9): “Como Schattschneider tão corretamente coloca, a menos que o povo possa escolher entre os partidos não haverá democracia. Essa escolha é regularmente manifestada na política partidária, não só no dia da eleição mas sempre que uma legislação estiver em pauta.” Obviamente, este papel dos partidos está diretamente ligado tanto à simplificação da escolha por votos como à agregação dos interesses políticos, ou seja, uma opção de oposição deve ser identificável como uma alternativa e também ter um programa.

Uma função fundamental dos “partidos no governo” é a de assegurar a responsabilidade pelas ações do governo, apontada tanto por Dalton e Wattenberg (2000) como por Strøm (2000) e mesmo por V. O. Key. No governo de partido é fácil identificar quem é o responsável pela ação governamental e os partidos têm mecanismos para garantir a responsabilidade individual dos legisladores. O partido é, portanto, um mecanismo importante de accountability. Um mau desempenho aumenta as possibilidades de derrota para a oposição na eleição seguinte, em função do voto retrospectivo.

Esse papel dos partidos está ligado aos dois últimos que os autores mencionam para os “partidos no governo”: controlar a administração do governo e promover a estabilidade do governo, sendo esta, nas palavras de Dalton e Wattenberg, o “elemento-chave de continuidade da governança democrática”. É por isto que essa função de responsabilidade pelas ações do governo é um diferencial da importância dos partidos: garante uma continuidade do comprometimento. Sem partidos, a menos que um político individual tivesse ambições realistas de permanência pessoal no Executivo, ele teria menor pressão para governar responsavelmente. Com os partidos é diferente: políticos se aposentam, mas as organizações partidárias, em geral, seguem em frente.

Bowler (2000) destaca que os partidos não são importantes apenas para a formação e a manutenção dos governos, mas também são funcionais para os próprios parlamentares individuais. Os partidos são a solução para problemas de ação coletiva, pois a participação de um político em um bloco legislativo aumenta sua influência sobre as políticas[5]. Essa questão destacada por Bowler vale tato para a organização do governo como para a organização do dissenso e da oposição, que, aliás, estão entre as funções destacadas por André Krouwel (2006).

As funções que tornam os partidos bons para a democracia

Assim, das 15 funções que Dalton e Wattenberg (2000) destacaram para os partidos políticos, é possível reduzi-las a quatro papéis em que os partidos são insubstituíveis ou, pelo menos, preferíveis a qualquer alternativa de representação:

1) Simplificar as escolhas por votos, evidenciando quais são as alternativas em disputa e sistematizando de forma mais palatável as diferentes propostas.

2) Produzir um programa abrangente de políticas públicas a serem implementadas que agregue os interesses articulados de seus eleitores, dando voz a eles. Esse programa pode ser alterado a partir da formação de uma coalizão, com os parceiros negociando a partir dos pontos de seus respectivos programas.

3) Assegurar a responsabilidade pelas ações do governo, com os eleitores sabendo quem punir ou recompensar nas eleições seguintes, mesmo que mudem os candidatos individuais.

4) Resolver os problemas de ação coletiva dos políticos, organizando o governo e a oposição, inclusive no Legislativo.

Em síntese, é a organização que os partidos fazem da política – eliminando o “caos da multidão de eleitores” mencionado por James Bryce em 1888 mas também o “caos da multidão de políticos” – que faz deles, mais do que atores importantes para a política, instituições valiosas para a qualidade da democracia.

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Guilherme Simões Reis

Referências

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DAHL, Robert A. (2005). Poliarquia. São Paulo, Edusp.

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______, McALLISTER, Ian (2000), “The Consequences of Partisan Dealignment”, in Russell J. Dalton e Martin P. Wattenberg (eds.), Parties without Partisans: Political Change in Advanced Industrial Democracies. Oxford, Oxford University Press.

FARRELL, David M. e WEBB, Paul (2000), “Political Parties as Campaign Organizations”, in Russell J. Dalton e Martin P. Wattenberg (eds.), Parties without Partisans: Political Change in Advanced Industrial Democracies. Oxford, Oxford University Press.

FIGUEIREDO, Argelina Cheibub e LIMONGI, Fernando (1999), Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro, FGV/Fapesp.

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[1] FRANKLIN, Mark; MACKIE, Tom; VALEN, Henry et. al. (1992). Electoral Change: Responses to Evolving Social and Attitudinal Structures in Western Countries. Nova York, Cambridge University Press.

[2] Isso fica bem exposto tanto pela tipologia de Gunther e Diamond (2003) – que mostra a grande presença de partidos organizacionalmente “magros” tanto entre os pioneiros, de elite, como entre os criados a partir do final do século XX – como pela tipologia de Krouwel (2006) – pela qual não só os antigos e extintos partidos de elite e os recentes partidos-empresa não teriam uma organização interna relevante, como os partidos eleitoralistas catch-all marginalizariam seus membros, de modo que essa função de socialização apontada por Dalton e Wattenberg só faria sentido para os partidos de massa e, talvez, para os partidos-cartel.

[3] Strøm e Müller (1999) e Strøm (2000) observam que durante, pelo menos, a primeira metade do século XX, os partidos tiveram a posição de organizações democráticas por excelência, e isso se deu tanto porque eles não tiveram rivais nas funções de ligação entre o eleitorado e os governos como porque eles foram o veículo de grupos antes marginalizados do processo eleitoral, como trabalhadores e camponeses. Strøm e Müller (1999) observam que os partidos são o principal veículo organizacional pelo qual os eleitores delegam para os representantes a autoridade de fazer políticas, são um artifício para que os eleitores tenham sua voz ouvida.

[4] Esse é o caso do Brasil, conforme descrito por Figueiredo e Limongi (1999), contrariando o diagnóstico pessimista que era hegemônico na ciência política sobre o Congresso Nacional brasileiro.

[5] Bowler se alinha com o que chama de “modelo de uma arena” de explicação para o comportamento do partido no legislativo, em contraste com o “modelo de duas arenas”, representado por Ostrogorski, Downs e Mayhew, que atribuem tal comportamento às ações na arena eleitoral.

Cesar Kiraly

Professor de Estética e Teoria Política no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense.