A Internacional Digital – Número 21 – 08/2011 – [80-81]

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Deixo como isca para debates um trecho não publicado da entrevista que fiz com  Bernard Stiegler, filósofo francês. A versão editada está no Valor do dia 03 de Junho de 2011. Transcrevi o trecho que segue abaixo porque me parece que tem muito a ver com algumas coisas que tenho tentado escrever por aqui ultimamente. (Claro, pombas, como leitor dele, muito do que ele diz me influencia.) Mas ele se expressa, naturalmente, muito melhor do que eu.

Stiegler é um dos principais herdeiros de meu autor de predileção,  Gilbert Simondon. É também diretor do Instituto de Pesquisa e Inovação do Centro Pompidou (Paris), fundador da associação Ars Industrialis e professor em Compiègne, Londres (Goldsmiths), Cambridge e, a partir do segundo semestre, mais uma instituição superior francesa. Para saber mais sobre o sujeito, basta clicar nos links.

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No âmbito político, o que podemos imagianr como forma de organização?

Stiegler: Seria necessária uma nova Internacional: uma Internacional Digital. E não simplesmente dos chamados “digital natives” [jovens que já cresceram num mundo com computadores]. O fundador da Free Software Foundation, Richard Stallman, é mais velho que eu, certamente não um nativo do digital. André Gorz, que morreu em 2007, tinha quase 90 anos, e teria sido com muito gosto o presidente de honra de uma Internacional dessas.

Não seria, provavelmente, uma Internacional proletária, mas da juventude, que pudesse exercer uma pressão, porque não há dúvida de que foi a juventude que derrubou Ben Ali e Hosni Mubarak. E é a juventude síria que está morrendo agora. Aliás, há aí uma coisa muito importante, que é uma espécie de renascimento da juventude, que diz, “estou disposta a morrer”, e pela liberdade. A minha geração? De maneira nenhuma, morrer pela liberdade? Nem pensar.

Derrida, com quem nem sempre eu concordava, disse, quando o Iraque foi invadido da primeira vez, que éramos obrigados a apoiar os EUA contra o Iraque. Ele disse: os iraquianos estão dispostos a morrer na guerra, nós não. Então eles são perigosos. O que eu acho perigoso é não estar disposto a morrer. Mas ele tinha razão, os ocidentais não estão mais dispostos a morrer pela liberdade. E isso é o que faz o consumismo, destruir até esse sentimento da liberdade.

Preferir morrer a ser alienado da sua sociedade. É essa a capacidade revolucionária. Sem a imolação desse rapaz tunisiano, não teria havido revolução no país. Isso é outra coisa que está começando a se rearmar, se reconstituir, e isso é fundamental. A relação com a morte é um ponto essencial do desejo, é isso que aprendemos com Heidegger.

Esses jovens que tomaram as ruas da Espanha estão dispostos a morrer?

Stiegler: Não sei. Mas é possível, talvez estejam. Pessoas dispostas a morrer existem, sim, na Europa. Mas do lado negativo: são aqueles que viram militantes integristas muçulmanos. Estou falando de brancos, não da jovem geração árabe. Jovens, brancos, de origem européia, que foram para o Afeganistão, participaram de campos de treinamento, são terroristas e estão dispostos a morrer. Isso é muito grave, é o que eu chamo de complexo de Antígona. Antígona está disposta a morrer pela honra da morte do irmão. E é isso a juventude.

Mas, quando a estrutura política não oferece mais à juventude a possibilidade de se engajar, inclusive a esse nível, ela se vira em outra direção. E essa direção pode ser atroz, como o integrismo. São processos de sublimação negativa. Todos nós temos necessidade de sublimar, produzir desejo a partir das pulsões, e se o consumismo destrói as possibilidades de sublimar, então começamos a sublimar negativamente. Sublimamos a pulsão de morte, em vez da vida, e nos tornamos perigosos.

A juventude espanhola está disposta a morrer? Não sei. Não é impossível.

E poderíamos, nesse caso, ver uma verdadeira revolução na Europa?

Stiegler: Eu diria que se não acontecer algo rapidamente, uma virada no sentido da social-democracia ou da direita democrática, autêntica, sincera, para questionar as estruturas vigentes, vai acontecer, não tem outro jeito. Há muita gente em situação de miséria absoluta. O número de jovens sem trabalho na França é elevadíssimo e quando vou a Paris, hoje, vejo pilhas de pessoas que dormem na rua. Isso leva necessariamente a fenômenos de transgressão, que podem ir para o lado da criminalidade, pura e simplesmente, mas também podem levar à politização. Por que não?

Cesar Kiraly

Professor de Estética e Teoria Política no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense.