O Reuni e a Disparada da Evasão na UFBa – Número 155 – 09/2017 – [96-103]

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Há dez anos, em agosto de 2007, o governo Lula apresentou as diretrizes do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o Reuni. O ministro da Educação era o cientista político Fernando Haddad, e consta nas diretrizes como membro do grupo assessor um nome conhecido na sociedade baiana: Naomar Monteiro de Almeida Filho, professor de saúde coletiva e então reitor da Universidade Federal da Bahia.

Como indica o nome por extenso, o Reuni tem por metas a expansão e a reestruturação. A expansão é bem conhecida da sociedade brasileira. Defensores da era Lula citam-na com frequência como um de seus grandes feitos; detratores, a seu turno, questionam-lhe a qualidade. A reestruturação é menos conhecida da sociedade; pois só as cotas, que nela se incluem, tiveram ampla discussão. Assim, o Reuni teve por meta o impacto tanto quantitativo, expresso pela expansão, quanto o qualitativo ou ideológico.

O fato de a UFBa ter um dos redatores do Reuni como reitor é da maior importância para quem o queira entender. Isso porque o Reuni foi formulado como uma proposta clara centrada na expansão que, por sua vez, era acompanhada por diretrizes difusas centradas na reestruturação. Para aderir, a universidade estava estritamente obrigada a comprometer-se com uma meta bem específica de expansão, mas não com pontos rígidos de reestruturação. Esta contou com quase toda a boa vontade institucional da UFBa. Isto faz da UFBa um bom caso para enxergarmos com mais clareza a face ideológica do Reuni.

Como veremos, houve uma disparada da evasão na UFBa após o Reuni. Queremos aqui, na medida em que os dados permitam, buscar a sua causa. Se estivermos certos, foi tal face ideológica: por ideologia, criaram-se cursos não-profissionalizantes, ao tempo que isto se fez reduzindo a oferta de vagas dos cursos tradicionais aos egressos do ensino médio.

A proposta de expansão

Autônomas, as universidades não estão sujeitas a mandos de governos. Logo, aquele que as quiser reestruturar terá de preparar uma proposta à qual as universidades poderão aderir ou não. O Reuni tem diretrizes amplas, mas é simples a proposta cuja aceitação implicaria a adesão: se as universidades aceitassem a meta de ter 18 alunos por professor, e de 90% deles concluírem os cursos, teriam um aumento de 20% no orçamento. Como se vê, a proposta centra-se na expansão. (Veja-se a página 15.) A reestruturação é assunto para as diretrizes.

Se o leitor tiver em mente uma turma de direito ou administração, na certa imaginará que a relação de 18 alunos por professor é pequena; mas, em 2006, essa relação na UFBa era de 11,41. É que existem cursos com mais e com menos alunos, e todos, mesmo que tenham pouco preenchimento de vagas e muita desistência, contam com um departamento completo. Assim, somando o alunado de cursos como física ao de cursos como direito, e os professores de todos os departamentos, encontrava-se a relação de 11,41 alunos por professor. Em 2015 (cujos dados são os mais recentes disponibilizados pela UFBA), tal relação era de 15,8. Logo, pode-se dizer que parte da proposta se aproximou do êxito. Ademais, uma das recomendações do Reuni para a expansão era a abertura de cursos noturnos, e de fato a UFBa saltou de 1 curso noturno em 2006 para 31 em 2015.

Mas a proposta era não só relativa ao preenchimento de vagas, senão também à conclusão dos cursos pelos alunos. Em outras palavras, não bastava ocupar as vagas; era preciso que 9 em cada 10 alunos saíssem diplomados.

Existe um indicador chamado taxa de sucesso de graduação (TSG). Divide-se o número de diplomados pelo número de ingressantes do ano a fim de obter-se a porcentagem de alunos que concluem a graduação. Os dados mais antigos que a UFBa disponibiliza são de 2002. Nesse ano, o sucesso era de 61%, e daí até 2006 a taxa girava em torno dos 60%, tendo alcançado um pico de 70% em 2004. Desde 2013 está abaixo de 50%, e em 2015, caiu para 45%. As TSG de 2002 a 2006 foram disponibilizadas no UFBa em números especial 60 anos; de 2011 a 2015, pelo UFBa em números retrospectiva especial 70 anos. Não dispomos dos anos de 2007 a 2010. Cabe registrar que há dados divergentes relativos ao ano de 2006 em ambos os relatórios, variando o número de matrículas.Portanto, antes do Reuni mais da metade dos alunos da UFBa concluía o curso; depois do Reuni, menos da metade.

Resulta que mais vagas são criadas e preenchidas, mas hoje, diferentemente de antes do Reuni, a maioria dos alunos da UFBa não se forma. É mister investigar as causas disso para buscar soluções.

A hipótese da UFBa

Pelo relatório UFBa em números relativo a 2015, o problema é a própria expansão proposta pelo Reuni. Esta, “acrescida das dificuldades resultantes das restrições orçamentárias, infraestrutura insuficiente, redimensionamento dos corpos docente e técnico-administrativo e dos meios de suporte às atividades de gestão são alguns dos fatores que influenciaram a evolução desses indicadores. O aumento do número de estudantes e do número de docentes, estes últimos em menor proporção, se reflete na variação de outros indicadores, como de custos e de diplomação.” Infelizmente o Portal Transparência disponibiliza dados somente posteriores ao Reuni, de modo que não é possível ao cidadão comum comparar o orçamento pré e pós Reuni para checar se, descontada a inflação, houve o prometido aumento de 20%. (Na verdade, se não tiver havido, o justo é a própria universidade trazer isso a público com números, senhora dos próprios dados que é.) O que podemos dizer é que o MEC prevê para este ano quase 25 milhões de reais dispensados à UFBa; no entanto, pode-se gastar mais do que essa previsão, pois no ano passado previra gastar quase 23 milhões, mas ao cabo dera-lhe quase 26. Além disso, no MEC não são computadas as receitas que venham por meio de emendas parlamentares.

É certo que, dadas as recentes revelações da Lava Jato, 26 milhões parecem valor pífio, troco digno de ser esquecido no balcão por algum empresário campeão nacional. Porém é certo que há um vício que infesta toda a discussão acerca das mazelas da educação: reduzir toda a questão às finanças, como se a mera injeção de dinheiro trouxesse consigo a qualidade. Se isto fosse verdade, a UFBa estaria errada em aderir ao Reuni: pois comprometera-se a quase a dobrar a quantidade de alunos por professor (pulando de 11 para 18), sem reduzir o número de professores, e receber apenas 20% de aumento do orçamento. A redução do gasto por aluno é consequência necessária disso.

Outra marca desse vício é a dispensa de qualquer relação causal que explique o porquê de a TSG cair. O mero aumento de alunos por turma, por exemplo, não pode explicar por que um aluno que veio das turmas cheias do ensino médio deixaria de concluir o curso. Prédios feios ou banheiro sem papel dificilmente forçariam à desistência do curso. Na graduação, assistência estudantil é o que pode impactar na permanência da pequena parcela dos que dependem dela – mas, se ela for a maior atingida, será mesmo capaz de causar a queda de 20% da TSG de toda a UFBa? Aonde se pode apontar uma correlação entre gastos e desempenho é na pesquisa, em especial das exatas e biológicas: sem material, pesquisadores não podem levar seus estudos adiante; e grandes receitas serviriam para comprar e manter aparelhos de ponta. Mas isso nada tem a ver com a TSG. É difícil aceitarmos orçamento como explicação suficiente para o fato de em 2015 55% do alunado não concluírem o curso. Para isso, seria necessário no mínimo explicar como, exatamente, o crescimento das despesas seria alocado. Menos factível ainda é o aumento da quantidade de alunos por professor: se for verdade que turmas mais cheias causam redução drástica da conclusão do curso, então teremos de descobrir que cursos como física e matemática têm uma TSG mais baixa do que cursos como direito e medicina.

Observação sobre a expansão

A fenômenos complexos, como os sociais, é razoável atribuir um concurso de causas, em vez de esperar que apenas uma dê conta de tudo. Não façamos como tantos, pois, nem caiamos no simplismo de considerar o orçamento a causa única de todos os males da educação brasileira.

Temos dados recentes da UFBa só de 2015, mas temos o PISA do mesmo ano disponibilizando dados que discriminassem a educação brasileira por estados. Acontece que os alunos da Bahia são os segundos piores em leitura de todo o Brasil, ficando atrás apenas dos de Alagoas.

Em 2006, a UFBa matriculou 4.889 alunos na graduação; em 2015, 8.188. Houve, portanto, um aumento de 67% de ingressos. Com o Prouni, a UFBa passou também a ser mais uma opção para o jovem de baixa renda com má escolaridade, tornando-se a rede privada o lugar ideal para aquele que tenha notas medianas mas queira cursos concorridos.

Ora, a mera expansão em tão larga escala não terá de forçosamente trazer à UFBa alunos de escolaridade precária? E isso não terá de ter impacto sobre o sucesso em suas graduações? Se tal for o caso, como o aumento da receita da UFBa solucionaria o problema? Apontar a disparidade entre investimento brasileiro nos ensinos básico e superior está longe de ser novidade; outrossim, todos sabemos por qual dessas redes se podem atingir os mais pobres dentre os pobres.

Diretrizes ideológicas

Como vimos, o cerne do Reuni estava na proposta que implicava expansão, mas havia também diretrizes. Do preparo de tais diretrizes participou o então reitor da UFBa, Naomar Monteiro de Almeida Filho. Assim, se outras universidades puderam levá-las menos a sério, tal não foi o caso da UFBa, que tinha seu reitor engajado com o ideal de universidade nova defendido no Reuni.

Pelas diretrizes, seis pontos caracterizam essa concepção de universidade: (1) a preferência por formar cidadãos críticos, em vez de meros recursos humanos para o mercado de trabalho, (2) a alteração da estrutura curricular visando à interdisciplinaridade, (3) o respeito ao diferente, (4) construção de saberes e vivências, (5) políticas de inclusão e assistência, incluindo-se ações afirmativas, e (6) aposta na tecnologia.

Dos pontos 1 a 4, temos a articulação duma concepção ideológica de universidade. Acompanhemos o raciocínio. À página 5 do documento, lemos que “a educação superior […] não deve se preocupar apenas em formar recursos humanos para o mundo do trabalho, mas também formar cidadãos com espírito crítico que possam contribuir para solução de problemas cada vez mais complexos da vida pública.” A oração anterior à adversativa dificilmente encontrará opositores. Na idade média, a scientia era buscada pela universidade; no século das luzes, Kant separava a formação do letrado da do erudito; e, hoje, qualquer um que não despreze a pesquisa está pronto para assentir. Sempre esteve muito claro, na história da universidade, que sua função não é só a de formar técnicos, senão construir conhecimento. Dito rudemente, ninguém acha que o papel da universidade termina com a formação de médicos, senão inclui a investigação do corpo humano e a invenção de novos tratamentos. Na oração posterior à adversativa é que temos uma tese muito ousada: a de que esse papel mais nobre da universidade se realiza não na produção coletiva e impessoal de conhecimento, senão na própria pessoa do bacharel. Nada de impessoalidade e revisão por pares anônimos. O objetivo da universidade é produzir cidadão crítico, o bacharel dela egresso após o Reuni. Mas como se avalia o êxito de um processo que tem em vista a formação de cidadão crítico? De antemão, o que aprendemos com isto é que há uma correlação entre ser um bacharel especial e ser um cidadão crítico. O que se pode depreender é que há os cidadãos críticos, de anel na mão e diploma na parede, e há as massas alienadas.

Em lugar da construção de conhecimento, então, é fundamental a “construção de novos saberes e de vivência de outras culturas, de valorização e de respeito ao diferente.” (p. 5 – negrito nosso) Como foge ao nosso escopo aqui tratar de questões epistemológicas, limitemo-nos a observar que adota-se o léxico pós-moderno que denuncia concepções filosóficas: falar em construção de novos saberes implica poder falar em desconstrução do “saber” atual; e que o que temos não é uma realidade mais ou menos conhecida, senão saberes que são meras construções. Um exemplo atual útil para mostrar esse léxico é o embate entre ciências ligadas à biologia e os estudos de gênero (que, com o Reuni, viraram graduação na UFBa). Até hoje esta egressa da UFBa nunca viu explicação para as diretrizes orientadas pela interdisciplinaridade e combate à especialização criarem uma graduação de escopo tão limitado como o bacharelado em gênero. Enquanto áreas da biologia e da psicologia investigam diferenças naturais entre homens e mulheres, os estudiosos de gênero e queer insistem que ser homem ou mulher é construção social, e acusam de sexismo tais investigações. Ora, sexismo é uma forma de desrespeito. Moralizar, ensinar as pessoas a respeitar, passa a ser do escopo da universidade. E, a depender da concepção epistemológica que se adote, isso pode implicar tomar partido num conflito entre disciplinas. Mas voltemos ao assunto.

Se não sabemos como avaliar o êxito do processo de formar cidadãos críticos, morais e respeitosos, somos informados de qual é tal processo. Dar-se-á com o “redesenho curricular dos seus cursos, valorizando a flexibilização e a interdisciplinaridade, diversificando as modalidades de graduação e articulando-a com a pós-graduação, além do estabelecimento da necessária e inadiável interface da educação superior com a educação básica.” (p. 5) Temos portanto uma alteração curricular, que vise à interdisciplinaridade e misture os níveis de formação, do básico ao superior. Nenhuma explicação de como isso produza cidadãos críticos é fornecida.

Os cursos não-profissionalizantes

Criaram-se na UFBa, então, novas graduações: os bacharelados interdisciplinares, ou BIs. Há o BI em humanidades, em saúde, em artes, e em ciência e tecnologia. Os cursos duram três anos, são não-profissionalizantes, e, uma vez terminados, garantem ao aluno reserva de vagas num dos ditos CPL – cursos de progressão linear, que são os cursos tradicionais. No entanto, por serem bacharelados, facultam também o ingresso direto na pós-graduação. Presumimos que esta seja a mistura entre os níveis; no caso, entre graduação e pós, ficando de fora o ensino básico. Seja como for, todo aluno do BI tem como disciplina obrigatória “Leitura e produção de textos em língua portuguesa”, cuja ementa é “Trabalho com as competências de leitura, compreensão e produção de textos de diferentes tipologias e gêneros, com enfoque nos gêneros resumo, resenha crítica, artigo e ensaio”, e outra, mais curiosa, chamada “Língua portuguesa, poder e diversidade cultural”.

Com os BIs, cumprir-se-ia a meta de combater a “profissionalização precoce e especializada” (p. 11). Não nos é explicado o que caracterize a profissionalização precoce. E uma explicação seria muitíssimo bem-vinda, pois é difícil entender como se pode ignorar por inteiro o anseio por, ou necessidade de, renda. Uma vez que se atrase em três anos a profissionalização do jovem adulto, lançamos sobre os pais a responsabilidade de sustentá-los por esse tempo extra – o só faz aumentar o peso das condições socioeconômicas sobre o destino dos jovens. Ao se opor a formação de mão de obra à de cidadão crítico e “prevenir” a profissionalização, não é de surpreender que formemos um cidadão crítico desempregado.

Embora não tenha sido levado a êxito na UFBa, o BI foi discutido como forma de ingresso obrigatória. Reflexos dessa intenção original se encontram tanto no número de vagas ofertadas por curso, como no fato de haver cotas de para egressos de BI (com cotas iguais às do Sisu dentro dessas mesmas cotas). Em 2017 foram disponibilizadas nada menos que 1.300 vagas para os BIs no Sisu. Para efeito de comparação, anote-se que as vagas anuais do BI em humanidades são 400; as de direito, 300; de letras vernáculas, 108; de filosofia, 40. Quando esta escriba ingressou em filosofia, em 2008, havia 50 vagas disponíveis para os egressos do ensino médio, sendo 25 reservadas a cotas sociais e raciais. Hoje, pelo sistema da UFBa o egresso do ensino médio que queira cursar filosofia terá 20 vagas de livre concorrência e 20 com cotas sociais e sociais. À disposição do egresso do BI, fora do Sisu, há mais 10 vagas, sendo 5 de livre concorrência entre os egressos, e 5 com cotas sociais e raciais. Em vez das notas do Sisu, os alunos do BI usam as notas do CR.

Nossa hipótese, e algumas obscuridades

Como não foram disponibilizados dados específicos sobre os cursos no que concerne ao sucesso na graduação, como há uma considerável fatia do alunado da UFBa que é dos BIs, e como a expansão de quase 70% se deu desacompanhada de melhoria no ensino básico, cremos que os alunos ingressam nos BIs não por opção, senão por vislumbrarem neles a possibilidade de, via cotas para egressos, ingressarem em cursos concorridos e prestigiosos como medicina e direito. Assim, a evasão se explicaria por um lado pela má escolaridade prévia – que levaria alunos despreparados demais a largarem o curso –, e, por outro, por problemas inerentes ao BI, a saber: o de ser um plano B compulsório. O aluno que queira Direito e Medicina, mas tenha más notas nos primeiros semestres, tem bons motivos para crer que está no curso à toa. Além disso, continuará tentando ingressar no curso desejado enquanto cursa o BI, e irá largá-lo tão-logo consiga passar no curso da UFBa, do Prouni ou Fies. Poderá também, se não for pobre, concluir que mais vale pagar uma particular do que esperar três anos. Por fim, sendo curso não-profissionalizante, o aluno de baixa renda que até tenha um bom CR, mas não passe em processos seletivos gratuitos para o curso desejado, pode ter necessidades prementes de fonte de renda que não lhe permitam empenhar anos em um futuro incerto.

Frente à escassez de dados, o que pudemos fazer foi somar as vagas ofertadas pelo Sisu este ano: houve vagas para 5.710 calouros, dos quais, como dissemos, 1.300 são do BI. Isso quer dizer que cerca de 23% dos calouros da UFBa são do BI. 20% é um montante grande o bastante para atribuirmos peso à inteireza da TSG da UFBa.

Ao menos em filosofia, os egressos têm 20% das vagas. Se for igual em todos os cursos, então as vagas da UFBa se distribuem assim: de cada 100 vagas para cursos tradicionais, 20 são para egressos do BI; assim como, de cada 100 vagas do Sisu, 20 são para os BIs. Um terço da UFBa destina-se a “cidadãos críticos”. Somando calouros e egressos, teremos 7.010 vagas anuais para graduação – 1.178 a menos que os 8.188 ingressantes em graduação informadas no relatório de 2015. Há vagas extra para quilombolas e aldeados, mas são só 2 por curso, e só para os tradicionais. Seria condizente com os propagandeados valores democráticos a UFBa informar à população qual é disposição de suas vagas.

Mas, outrossim frente à escassez de dados, tampouco podemos dizer que as cotas para egressos do BI sejam de 20% em todos os cursos. Sabemos das vagas olhando as tabelas disponíveis em ingresso.ufba.br, esperando que os dedos não tenham vacilado com os botões da calculadora. Filosofia é curso que nunca foi dos mais concorridos, e muito menos visto como propulsor de ascensão social. Em direito, são 125 as vagas para egressos. Somando às 300 do Sisu, temos que 30% das vagas são para o BI. Acrescentando-se ao fato de que havia uma retificação nas vagas para direito (sem constar a versão anterior à retificação), e que foi noticiada recentemente a reivindicação de mais vagas em direito para egressos de BI, temos confirmada uma das premissas de nossa hipótese: o BI é um gargalo ao qual alunos de pior desempenho se submetem para ter esperanças de um dia ingressar em cursos promissores e prestigiosos como direito.

Falar-se na reportagem em apenas 25% de cotas para BI, no entanto, implica que há 500 vagas anuais para direito. Se 500-125=375, há um excedente de 75 vagas cujo ingresso é um mistério para esta escriba.

Não cremos que seja este o que se entende por cidadão crítico, cuja formação é nada menos que a meta da universidade. Mas, como nenhum critério foi fornecido para avaliar o êxito do intento de formar cidadãos críticos foi bem sucedido, a questão resta misteriosa.

Um triste epílogo

Nenhuma evidência foi dada de que o BI funcionasse, e ainda assim foi confiada a Naomar Monteiro de Almeida a criação, em 2011, de uma nova universidade federal na Bahia, a Universidade Federal do Sul da Bahia, com campi em Itabuna, Teixeira de Freitas e Porto Seguro. Lá houve inteira liberdade para o reitor de toda a sua existência, o mesmo Naomar Almeida, implantar o Reuni como bem quisesse. O ingresso dá-se ou por BI ou por ABI, sigla que significa “área básica de ingresso”. Só há dados de 2014, e não há nenhuma menção a egressos.

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Bruna Frascolla Bloise

Agradeço a Fernando de Gonçalves (UFRGS) pela leitura com apontamentos.

Cesar Kiraly

Professor de Estética e Teoria Política no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense.