O lugar da perda e da regulação em Hobbes e Freud – Número 152 – 07/2017 – [68-75]

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Hobbes (1588-1679) e Freud (1856-1939) são homens de épocas e contextos completamente distintos. Hobbes escreve em uma Inglaterra assolada pela guerra civil-religiosa, conflito que evidencia a fragilidade do poder do rei. É a partir desse conflito que o filósofo inglês lança um olhar para a condição humana e a partir dela, propõe um modelo de soberania absoluto e indivisível. Freud, por sua vez, escreve em um momento que transita da grande crença no progresso e na ciência a uma grande distopia e ceticismo com a primeira guerra mundial. Para além da distância histórica, é importante demarcar a própria diferença de campos de saber e linguagem entre os dois autores. Hobbes é um pensador inglês que se propõe a formular uma outra forma de soberania e poder; uma forma que assegure menos conflitos e encontros violentos entre os homens. Freud não apresenta uma preocupação explícita com o fenômeno do poder e da política; contudo, ao se aproximar daquilo que os sujeitos anunciam, seja pela fala, pelos sonhos, ou por sintomas que a medicina tradicional falhava em dar conta, ele constrói uma forma de pensar os laços, as relações humanas e o domínio das regulações e da lei.

A criação de um diálogo entre esses dois autores não pretende buscar em Hobbes o ponto de partida para o desenvolvimento de importantes conceitos freudianos. O objetivo desse breviário é explorar algumas perspectivas semelhantes aos dois autores, essencialmente a ideia de que a fundação de uma vida coletiva se dá a partir de uma perda fundamental. Essa perda assume sentidos diversos no pensamento dos autores, como interdito e regulação; a noção central é, contudo, de que a ausência de uma lei torna impossível a constituição de laços sociais. A vida compartilhada só pode assim se configurar se os homens tiverem suas ações e desejos regulados, limitados: é preciso perder algo para que o encontro com o outro possa assumir um sentido diverso da possibilidade de conflito e violência. Nesse breviário, irei explorar como cada autor pensa a passagem desse estado primeiro, em que não existe vida coletiva, para um outro, em que existe alguma forma de lei e regulação.

Imaginar como seria o homem na ausência de um Estado ou lei é um recurso comum aos contratualistas, na medida em que apresenta um objetivo específico: é a partir dessa imagem que se faz do homem no estado de natureza que se imagina como deve ser o Estado. Hobbes, Locke e Rousseau, cada qual com sua particularidade, empreendem esse argumento contrafactual. Assim, a maneira como cada autor apresenta sua perspectiva do Estado e do poder está vinculada a uma determinada concepção de natureza humana. Hobbes imagina o estado de natureza como um estado de liberdade, igualdade e onde há relações humanas. Essas relações não comportam um vínculo social, isto é, não são mediadas por uma lei; contudo, existem encontros, interações e comunicações. O traço essencial desse encontro é a guerra: não uma guerra pontual, mas antes um estado de guerra de todos contra todos:

durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida (HOBBES, 1979:75)

A guerra não é decorrente de uma essência ruim e agressiva do homem, mas sim, resultante das próprias paixões e desse sistema de relações humanas em que não existem barreiras à liberdade de tudo fazer e desejar. Temos, então, que o estado de natureza é um estado de guerra, e que este se apresenta como uma resultante desse sistema de relações em que cada um goza do direito natural a todas as coisas e cujas capacidades físicas e intelectuais de tentar obtê-las é praticamente igual. Direito a tudo e a todos e mínima diferenciação entre as capacidades individuais são as marcas desse sistema de relações no estado de natureza hobbesiano.

O conflito decorre, portanto, do fato de não haver uma lei uma capaz de determinar quais ações são válidas e permitidas; em última instância, cada um avalia e atua da maneira que considerar adequada para garantir a própria vida e alguma satisfação. A igualdade é igualmente importante na compreensão desse estado de guerra, na medida em que Hobbes identifica que é essa igualdade de capacidades que torna impossível que um possa se sobrepor aos demais e fazer valer sua lei. O que parece ser central nessa reflexão é o fato de que a igualdade não poderia jamais gerar a paz; seria preciso fundar um estado de desigualdade que garanta a prevalência da lei daquele capaz de sustentá-la.

A imagem do estado de natureza como um estado de guerra é essencial para a construção do Estado hobbesiano. É a partir do conflito, ou ao menos da possibilidade deste ocorrer, que Hobbes destaca o medo como uma paixão prevalente nesse estado. O medo assume sentidos diversos ao longo do Leviatã: medo da morte violenta, medo do outro, medo do invisível. Nesse momento contrafactual, contudo, o medo do outro e da possibilidade desse violar seu corpo e sua vida aparecem como fundamentais para a saída desse estado sem lei e a constituição de outro, em que as relações são reguladas. A experiência do medo no estado de natureza produz uma impossibilidade de se pensar o futuro, de desenvolver a faculdade inventiva, de comerciar:

Numa tal situação não há lugar para indústria, pois seu fruto é incerto; consequentemente não há cultivo de terra, nem navegação, nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar (…) não há conhecimento da face da Terra, nem cômputo do tempo, nem artes, nem letras; não há sociedade (HOBBES, 1979:76).

O medo tem seu contraponto na esperança, paixão que marca o desejo de viver e de se pensar o futuro, e nesse sentido, produzir, criar e viver confortavelmente. Essa vida que Hobbes desenha no estado de natureza é solitária, pobre, embrutecida e curta, e os homens desejam mais, necessitam de mais. Das paixões do medo e da esperança surgiria um segundo momento, no qual os homens identificariam a necessidade de restringir seus direitos naturais, sua liberdade a tudo e a todos, para sair dessa condição de miséria em que o medo e a violência predominam; faz-se, então, um contrato de cada um com todos, em que se concorda em silenciar os direitos naturais de cada um goza em nome de um terceiro, que não está no contrato. Hobbes pensa o contrato como mais do que um momento de concórdia e consentimento: estes são necessários inicialmente, quando todos os homens em uma espécie de cessão de direitos e submissão a um soberano. O momento posterior inaugura uma relação de representação plena, onde todos os homens se encontram representados na figura do soberano, não há perdas nessa representação, há unidade e justaposição completa:

…é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isso, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes daquele Deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa (HOBBES, 1979:105-106).

No núcleo da fundação do Estado e da soberania temos a ideia de renúncia. Os homens, assolados pelo temor, mas também pela esperança, cedem seu direito natural a todas as coisas; Janine sustenta que não há propriamente uma transferência de direitos, pois o soberano é a multidão, isto é, há entre ela e o soberano uma representação plena, sem perdas: “em sua pessoa (Leviatã) não se dissolvem os indivíduos contratantes” (JANINE, 1999:56). Por outro lado, não existe poder na terra que se compare ao poder do Estado instituído por esse ato de vontade, é um poder ilimitado, que silencia os direitos naturais, impõe uma concepção de justiça, de moral e funda a unidade da lei.

Freud também desenvolve sua hipótese acerca da passagem de um estado em que não existem vínculos sociais para outro, em que as relações são reguladas e aparece uma forma de lei. Ainda que não fale em estado de natureza, Freud, ancorado nas considerações biológicas de Darwin, aponta para a existências de hordas primevas, caracterizadas pela presença de um líder: “tudo o que aí encontramos é um pai violento e ciumento que guarda todas as fêmeas para si próprio e expulsa os filhos à medida que crescem” (FREUD, 1913:169). Na horda primeva não encontramos um estado de igualdade, mas uma relação de hierarquia na qual o líder monopoliza a palavra, ao ocupar um lugar de poder e comando, e o sexo, garantindo somente para si o acesso às mulheres. O lugar que esse líder ocupa é excepcional; sua força física torna possível uma satisfação incomparável: ele goza uma posição única no poder e tem acesso sexual a todas as mulheres. Ao ocupar o lugar da exceção, esse líder impõe uma lei, que é, contudo, externa aos demais membros da horda, de maneira que não há consentimento ou acordo, há apenas imposição pela força.

Na horda primeva, não existe relação de afeto ou de reconhecimento. Nesse sentido, não é possível identificarmos sentimentos de responsabilidade e culpa a partir da interação entre seus membros; contudo, não existe liberdade para se tudo fazer: há uma lei externa, que se sustenta pela violência, pela força do líder. Um líder que faz valer sua lei através de interdições ao prazer e ao poder, certamente suscitou nos expulsos um sentimento de raiva e revolta: “certo dia, os irmãos, que tinham sido expulsos, retornaram juntos, mataram e devoraram o pai, colocando, assim, um fim a horda patriarcal” (FREUD, 1913: 170). Há dois momentos distintos e essenciais para o fim da horda: o primeiro é a reunião dos irmãos, que forjaram o primeiro laço a partir da identificação de um lugar de interdições impostas pelo líder; o segundo é o assassinato e canibalização do líder, no ato de compartilhar a culpa pelo crime, mas também de se identificar com esse líder, dotado de um poder extraordinário: “pelo ato de devorá-lo, realizavam a identificação com ele, cada um deles adquirindo parte de sua força” (FREUD, 1913: 170).

Terminada a refeição compartilhada e a comemoração pela morte do pai surge uma questão fundamental, um momento de inflexão: quem ocupará o lugar o líder? Diferente do estado de natureza de Hobbes, em que a força de um não consegue se sobrepor aos demais, na horda primeva, tudo que encontramos é a lei do um, do líder, funcionando como aparato repressivo e externo aos demais. Uma vez assassinado o líder, sua substituição faz surgir um problema, pois não existe mais apenas um líder, mas uma reunião de vencedores (MALCHER, 2011:12). A saída encontrada por eles é uma nova forma de interdição, desta vez, internalizada e consentida, não mais externa e mantida pela força. Interdita-se a esse lugar que um dia ocupou o líder e que, miticamente, aparece como um lugar que desconhece proibições e limitações. Seria preciso interditar tanto o acesso às mulheres da horda, até então monopolizadas pelo líder, como a essa posição de unidade e liderança. Quanto às restrições à sexualidade, Freud observa que:

Os desejos sexuais não unem os homens, mas os dividem. Embora todos os irmãos se tivessem reunido em grupo para derrotar o pai, todos eram rivais uns dos outros em relação às mulheres. Cada um quereria, como o pai, ter todas as mulheres para si. A nova organização terminaria numa luta de todos contra todos, pois nenhum deles tinha força tão predominante a ponto de ser capaz de assumir o lugar do pai com êxito. (FREUD, 1913:172)

Assim como em Hobbes, há uma dimensão de perda necessária para a construção de uma vida coletiva e dos vínculos sociais. O lugar excepcional que um dia ocupou o líder deve ser abdicado, cada um deve abdicar desse lugar mítico, que desconhece interdições e limitações.

É possível notar, contudo, uma diferença significativa entre Hobbes e Freud acerca dessa passagem de um estado primeiro para um espaço em que podemos pensar em leis e relações reguladas. Em ambos aparece uma noção de consentimento sobre uma perda ou interdição. Contudo, enquanto em Hobbes é a ausência do um, da unidade, que traria o conflito como uma possibilidade constante, em Freud, é precisamente a assimetria, sustentada pela força, que marcaria a insatisfação e ódio daqueles que não podem gozar do poder e do sexo. Aquilo que aparece como lei também é, nesse sentido, essencialmente distinto. Em Hobbes, o pacto é entre os homens, é horizontal, mas faz referência a uma forma posterior ao contrato. O Leviatã é formado pelo consentimento dos homens, motivados pelo medo e pela esperança de viver, e se eleva acima deles; tem um poder absoluto, incontrastável, indivisível. Essa forma soberana contém um paradoxo: “o soberano está ao mesmo tempo, dentro e fora do ordenamento jurídico” (AGAMBEN, 2014: 22). O soberano faz parte do ordenamento na medida em que está ancorado a cada um, individualmente, por uma relação de representação plena; por outro lado, está fora do ordenamento jurídico, pois é posterior a ele, é aquilo que é constituído através do pacto entre os homens e, portanto, não se submete ao pacto, permanece em estado de natureza, sem impedimentos ou interdições.

É interessante notar, nesse sentido que Hobbes pensa em uma forma soberana que se pretende absoluta, temerária e incontrastável, e que, sobretudo, ocupa um espaço real, dotado da capacidade de exercer um poder e violência concretos, que se faz sentir nos súditos. Freud, por outro lado, ao propor o assassinato do pai como o crime fundador da vida coletiva, expõe, justamente, que esse lugar de exceção que o pai ocupou na horda se torna simbolizado como o espaço do impossível, na medida em que nenhum dos irmãos poderia efetivamente ocupar esse lugar. Esse lugar é, na realidade, fantasmático, pois marca uma perda, real e simbólica, e produz um grande desamparo. O assassinato do líder e a interdição que os próprios vencedores se impõem opera uma transformação no lugar excepcional e único do líder. Se antes apenas o ódio aparecia, devido às severas interdições que esse impunha, após sua morte e a internalização de uma lei, surgem correntes afetivas que ligam essa nova comunidade ao líder através de um sentimento paternal. O líder se torna pai, na medida em que, miticamente, é o signo do um, do único que desconheceu restrições e pôde gozar de um lugar que ninguém mais poderia usufruir. O pacto entre os vencedores garante que o lugar do líder deve permanecer vazio e que todos poderão compartilhar de algum gozo e liberdade, mas nunca de maneira excepcional. Essa função paterna que aparece de maneira retroativa sustenta um ideal de cuidado, de proteção, mas que também pode punir. Há, nesse sentido, um entrelaçamento entre esse lugar do impossível, mítico, e o cuidado e amparo:

Note-se como a mera possibilidade de tal lugar de exceção existir é, de maneira bastante peculiar, fonte de amparo, pois implica alcançar a posição na qual as limitações normativas seriam inefetivas, na qual a decisão se afirmaria, como gostava de dizer Carl Schmitt, ‘em sua pureza absoluta’. (SAFATLE, 2016:64).

A formulação freudiana acerca do nascimento da cultura apresenta um traço paternal. Se de um lado não há, como há em Hobbes, uma estrutura que é efetivamente preenchida, na medida em que o assassinato do pai inaugura um vazio, por outro lado, passa a existir uma demanda ou um anseio para reaver esse lugar de unidade. Freud não aponta, contudo, para a necessidade de um líder ou de fórmulas políticas que se sustentem como o lugar da verdade. Ele parece identificar, pelo contrário, uma demanda paternal que é, em certo sentido, perigosa e alarmante. Assim, a ciência e a religião, assim como o domínio político, aparecem como formulações que pretendem oferecer, em alguma medida, uma resposta ou explicação para tudo aquilo que desorganiza e produz sofrimento nos homens.

Hobbes, ao expor a maneira como deve ser instituído o Estado, aponta que o que nasce com o contrato é uma forma soberana; não importa se o representante é um homem ou uma assembleia de homens – o conteúdo não é tão importante como é a forma. Esta é marcada pela desigualdade em relação aos súditos, na medida em que seu poder é superior, e precisa ser, para garantir que a unidade da lei seja mantida e a paz seja enfim possível. A prevalência da forma em relação ao conteúdo nos leva a pensar que Hobbes observa um caráter institucional para o poder político, e não paternal ou pessoal. Contudo, é inegável a percepção de que a ideia que esse autor faz do Estado se assemelha ao funcionamento da horda primeva de Freud. É evidente que precisamos ser cautelosos quanto a essa aproximação, pois em Hobbes temos o elemento do contrato e do consentimento, que inexiste na horda primeva; o poder soberano se faz para que possa ter fim o estado de guerra e que a vida possa ser garantida. É interessante, contudo, identificar esse poder do Leviatã desponta como algo da ordem da verdade, da unidade e da excepcionalidade: o Leviatã é o dentro e fora da lei. A percepção de unidade fica ainda mais evidente quando o filósofo inglês indica qual deve ser o papel da religião no interior do Estado:

De minha parte, antes obedeceria ao senhor que tivesse o direito de fazer leis e de infringir castigos, do que àquele que reivindicasse apenas um direito de fazer cânones (isto é, regras) e não possuísse direito algum de coação, ou de punir de qualquer outra maneira, além da excomunhão (HOBBES, 2001:39).

Nesse trecho o autor apresenta de maneira clara a crítica à Igreja e sua tentativa de impor aos homens determinado tipo de comportamento. Aquilo que propõe o poder religioso não pode ser senão cânones, isto é, preceitos, os quais são esvaziados do poder de coerção. O poder religioso, ou qualquer poder que se contraste ao poder do Estado, ameaça sua unidade. É a diversidade de vozes e a possibilidade destas em se tornarem preceitos que coordenam as ações individuais no interior Estado faz reaparecer a possibilidade de conflito. Para Hobbes, a paz só aparece no horizonte do possível quando os homens consentem em sujeitar-se a um poder, de um homem ou uma assembleia, que seja coercitivo e violento para que possa, enfim: “reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade” (HOBBES, 1979:105).

O ponto de partida para se pensar a vida coletiva em Hobbes e Freud se dá com uma regulação ou interdição. Para o primeiro, a ausência de regulação faz com que o encontro com o outro seja mediado pelo medo do que esse pode infligir a mim e também pela angústia e antecipação de não saber o que esperar desse outro. Tanto o medo como a angústia marcam a impossibilidade de se pensar o futuro, aprisionam o homem no momento presente, em que o outro aparece, usualmente como inimigo ou ameaça. Para o segundo, o equivalente ao estado de natureza não apresenta a ausência de lei, mas uma lei que não passa por forma alguma de consentimento; é uma lei que se mantém pela violência e desperta ódio e revolta. De certa forma, ambos apontam que para que as relações humanas possam significar mais do que um encontro violento, é preciso que exista uma forma de lei ou regulação, e que esta seja consentida ou internalizada. Contudo, aquilo que se constrói em cada autor apresenta diferenças significativas. Para o filósofo inglês a igualdade produz o conflito: se não existe força para ditar a unidade da lei, o conflito se torna inevitável. A saída é a assimetria, é um Estado de que se tem medo pela grandiosidade e poder, mas que pode garantir a vida. A forma soberana representa o dentro e fora da lei, é o lugar da excepcionalidade. Freud, por outro lado, parte da constatação de que o reino em que um detém todo o gozo e impõe aos demais severas restrições é insustentável. A saída se faz pelo assassinato do pai e a internalização de uma lei que indica que este lugar excepcional que um dia ocupou o líder deve permanecer vazio. É vazio, mas pleno de significação, na medida em que aponta que os laços sociais se fazem a partir da perda desse lugar que desconhece restrições. A perda e regulação assumem, assim, sentidos distintos nos autores. Para Hobbes, é a unidade da lei do soberano que se constitui com o contrato; para Freud, não podemos pensar propriamente em contrato, mas em uma regulação que se torna lei e inaugura os vínculos sociais como um lugar marcado pela falta.

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Larissa Pinto Martha

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014

FREUD, S. (1913). Totem e Tabu. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. XIII. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p. 13-191.

HOBBES, Thomas. Behemoth ou o Longo Parlamento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.

HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Abril Cultural (Coleção os Pensadores), 1979.

JANINE, Renato. Ao leitor sem medo. Hobbes escrevendo contra o seu tempo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999

MALCHER, Fabio. Os impasses do laço social na psicose. 2011. Dissertação (Mestrado em Teoria Psicanalítica). Teoria Psicanalítica. Universidade Federal do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro

SAFATLE, Vladimir. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo. Belo Horizonte: Grupo Autêntica, 2016.

Cesar Kiraly

Professor de Estética e Teoria Política no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense.