Houve um tempo em que os cinemas eram em ruas e galerias, os assaltantes não usavam armas automáticas e os policiais os perseguiam de fusca. Não era um tempo propriamente extraordinário, mas foi um tempo. Era o meu tempo. Nele, como dito num filme não muito velho do Tarantino, valorizávamos os diretores. Na verdade, a personagem, uma bela judia francesa, diz: – “grandes diretores”, instada por um militar alemão do porquê não se incomodar de exibir filmes alemães em seu cinema, de rua. Talvez devesse ser traçada a relação entre o surgimento dos grandes diretores e a existência dos cinemas de rua.
Naquele entorpecido tempo, das oito décadas do século XX carioca, regado a topo tipo de entorpecimento e recasamentos, nos cinemas, aplaudíamos. Não era um aplauso esclarecido, mas era a manifestação do respeito aos criadores. Os que eram educados em cercanias menos civilizadas, ao se juntarem à contemplação no escuro com os cariocas, ao perceberem os aplausos no final da exibição, após ensaios de sorriso, perguntavam: – Mas a quem estão aplaudindo? Estaria o diretor à platéia? E depois de passado mais tempo do que o necessário, e tendo compreendido que se aplaudia um diretor ausente, o parvo se colocava a ironizar o que não entendera.
Naquela época éramos selvagens em casa, mas cavalheiros na sala escura. Aplaudíamos o ausente por compreendermos, por intuição, que a criatividade se recriava quando exibida, e se essa segunda vida da obra nos entusiasmasse, deveríamos aplaudi-la entre nós, por certo, bastávamos reconhecidos por sermos capazes de reconhecer que o sentir artisticamente provocado exigia a recompensa de nossas palmas.
Mas o melhor de tudo é que não sabíamos que iríamos bater palmas, ninguém pensava muito nisso, e se perguntados sobre o costume, ele também nos soava diferente, éramos melhores de modo prático do que reflexivamente. Éramos, apenas quando importava, capazes de reconhecer, e isso também dizia bem a nosso respeito. As regras da não-palma não demandava qualquer sensibilidade, até o estrangeiro mais equipado seria capaz de segui-la. Antes do filme – no máximo palmas de começa – no ínterim – apenas em viragens muito boas – mas no final, ah o final, era o assentimento de canto de olho entre os contempladores que disparava o ato de reconhecimento ao reconhecer. É tépido jogar um jogo com que a ele não adere, porque não aderir ao jogo é também não fazê-lo ao par, é a negação do reconhecimento pelo desinvestimento na prática, pior ainda quando a participação é forçada, por desejo de agradar, ou dissimulada. Isso porque o canto do olho não aceita meias verdades.
O jogo que jogamos é um tipo de aplauso ao diretor ausente, uma performance de afirmação de que a obra existe enquanto vista, em sessão, em cessão, uma ode ao Beuys faltoso, sim uma forma contínua de mind game. Se mind game para sempre, ora, trata-se de um jogo do qual sabemos que é feito sobre o papel quadriculado, posto batalha naval, posto jogo da velha, e que não precisamos saber que só acontece aos reconhecidos no canto do olho, porque devemos olhar para o papel, plano pictórico; ao mesmo tempo é uma prática de simpáticos; se distanciados do afeto, pelo beneficiamento da tática, a esquina é a surpresa do enlaçamento, rabisco, afetivo. Algo da regra é sabido, mas algo é instituído pela disposição, e é regra, e é rigor, e pode ser descumprido, antes, pelo desafio ao investimento do outro, estar mesmo ali, ou por separação.
O sôo dos grafemas varia, pode ser Leonilson, pode ser Kandinsky, até o figurabilista pode em casa se sentir, ao completar olhos e bocas e pálpebras, mas que fique claro é poesia e não prosa.
As ironias, como jogá-lo sobre bloco mágico, são bem-vindas, e muito embora o registro não seja fundamental, o regime em eco da escritura, papel, vídeo, caneta, fotografia, carbono, lhe é bastante coerente e lhe promove o espírito.
Não se trata de ganhar ou perder, mas deixar no em canto do olho e restar perdido. Eis uma boa regra na qual podemos crer.
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Cesar Kiraly