Nos últimos 20 anos o bordão “é a economia, estúpido” foi repetido ad infinitum como explicação para as mais diversas formas de decisão e manifestação política. Afora o mau gosto da expressão que insulta o interlocutor, subjaz ao bordão a tese de que a racionalidade humana não faz outra coisa senão calcular as possibilidades de ganho econômico e aquisição material. Assim, se a economia vai bem, tudo vai bem, sociedade e sistema político inclusos. Quando vai mal, tudo vai mal. Muitos políticos, jornalistas e marqueteiros – para não falar dos próprios economistas – acreditaram piamente nesta tese. Em boa medida orientaram-se por ela, fazendo da gestão do crescimento econômico e das variáveis a ele atreladas – o PIB, o emprego, os juros, o câmbio – o objetivo supremo da atividade política. Mesmo a política social sofreu com a colonização das técnicas economicistas, que impuseram o predomínio de intervenções focalizadas sobre políticas universalistas e estruturantes. Continue Lendo
As jornadas de junho e a hora da política – Número 103 – 06/2013 – [106-109]
Notas sobre a revisão do Código Florestal e a questão agrária – Número 61 – 05/2012 – [130-141]
Não se pode compreender a recente e intrincada discussão em torno da revisão do Código Florestal brasileiro sem uma informação, ainda que sucinta, sobre a trajetória do desenvolvimento da agricultura no país. O ponto chave para a compreensão deste processo histórico é a política empreendida pelo regime militar, que no final dos anos 1960 suprimiu as possibilidades de articulação entre o reformismo agrário e a democratização do país e agiu seletivamente em torno de políticas de capitalização da grande propriedade rural e da ocupação das terras de “fronteira”. Esta verdadeira “empresa política” dos militares possibilitou, por meio de farta oferta de crédito subsidiado, a conversão de boa parte do antigo latifúndio em empresas capitalistas no campo integradas aos circuitos de acumulação agroindustriais. De patinho feio nos projetos de industrialização, a agricultura alcançaria destaque, recebendo novos estímulos durante as crises de balanço de pagamentos nas décadas de 1980 e 1990, com o objetivo de retomar seu “drive exportador”. Decisivo no resultado alcançado foi também o papel desempenhado pela Embrapa, empresa pública de pesquisa voltada à agricultura que desenvolveu o conhecimento e as técnicas necessárias ao cultivo nas regiões do Cerrado, expandindo a “fronteira” agrícola. Continue Lendo
Democratização e questão agrária – Número 53 – 03/2012 – [43-50]
Em 1943, antes ainda do final da Segunda Guerra, Alexander Gerschenkron escreveu Bread and democracy in Germany, livro que se tornaria um clássico da ciência política. Na obra, o autor passa em revista mais de cinquenta anos da história política e econômica alemã examinando as relações entre o mundo rural e a organização política do país, notadamente o problema da democracia. A tese defendida, apontada já na epígrafe “Latifundia perdidere germanian”, era que a incapacidade do processo de modernização de desmanchar as redes de poder político, econômico e social dos grandes proprietários agrários da Prússia – os junkers – impôs limites severos à democratização do país e facilitou mesmo a sua reversão com o esfacelamento da República de Weimar e a ascensão do nazismo. A partir de uma fina análise da política econômica, Gerschenkron mostra como os junkers constituíram sua hegemonia sobre a política para a agricultura e como resistiram aos ímpetos do reformismo agrário. Refratários ao liberalismo econômico, os junkers fizeram da política e da ocupação do estado instrumentos para a defesa de suas posições na economia, sobretudo mantendo intocada a grande propriedade agrária, que permanecia sendo um centro de poder político e não mero ativo econômico disponível em um mercado capitalista de terras. Continue Lendo