Natalia Makarova foi uma exuberante bailarina russa, que fez carreira no nova-iorquino American Ballet Theatre e no londrino Royal Ballet, durante o exílio iniciado anos 1970. Certa vez, Makarova disse que é na sala de aula que o bailarino tem o prazer verdadeiro. Parece contra-intuitivo, já que o que se supõe é que uma bailarina deveria querer o canhão de luz do espetáculo e as flores de reconhecimento ao seu final. Mas o prazer de Natasha, como era tratada pelos amigos, estava em ver o próprio corpo mudar. Ela conhecia o luxo de ter como profissão a possibilidade de presenciar o processo de tornar-se outra pessoa. Para ela, na sala de aula acontecia alguma coisa solitária, mas preciosa. Continue Lendo
História e Memória de João Goulart – Número 46 – 12/2011 – [182-186]
Resenha de João Goulart: Uma Biografia, de Jorge Ferreira.
Após o golpe militar, uma versão dos fatos – e de João Goulart – se consolidou. Estrategicamente, os militares e seus aliados civis passaram a afirmar que tudo antes de 1964 era corrupção, demagogia, caos econômico e subversão da ordem. Mas não só João Goulart foi desqualificado. Concomitantemente, as esquerdas revolucionárias interpretaram o apoio dos trabalhadores e do movimento sindical a Jango como peleguismo, paternalismo ou inconsciência acerca de seus verdadeiros interesses. Assim como a memória política de Jango, as lutas operárias, camponesas e populares também foram varridas da história. Continue Lendo
O Direito Constitucional como Ordem Política – Número 43 – 12/2011 – [166-170]
Em 1967, Luiz Sanches Agesta publica o seu Curso de Derecho Internacional comparado, onde afirma que não há mais se avaliar os problemas políticos por seus discursos locais, porque “todas as nações estão compreendidas em uma mesma história universal e disso resulta que os problemas políticos adquiriram dimensão planetária”. Assim, para este autor, a história contemporânea e, portanto, o lugar atual do Direito, só podem ser compreendidos à luz do fato da unidade do mundo. Continue Lendo
Erros de amigos – Número 26 – 08/2011 – [97-99]
Há muito tempo descobri a sombra fresca que vem da amizade com quem já morreu. Coisas maravilhosas vêm dos autores mortos. A mais elementar (e acolhedora), creio, é que a morte lhes confere algo de distante e torna possível encontrar alguém que, embora humano, parece não partilhar da humanidade. Esta, que responde ao mesmo tempo pela aproximação e pelo invariável desgosto que toda amizade sempre promove, só é neutralizada pela morte. Continue Lendo
História dos Conselhos – Número 20 – 07/2011 – [76-79]
Por um lapso, uma moça pensa em correr para a própria vida. O que a faz parar? O que faz alguém, ao contrário, correr das próprias idéias? A adaptação pode ser uma primeira resposta. Mas qualquer adaptação requer pelo menos duas coisas: necessidade e treinamento. Passar a vida disfarçada é algo que se impôs sobre a moça mediante muitas dificuldades e demandou muito ensaio, muitos conselhos. Isto não significa, entretanto, que ela não possa saber que a adaptação, embora por vezes tenha sido uma necessidade, não é necessária, mas contingente. Continue Lendo