: – “As estações não são bem demarcadas”. Sempre estranhei essa afirmação. Porque nunca estive tanto tempo em outro lugar. Mas ainda sempre julguei um tanto bizarro esse modo de ver. Não por algum nacionalismo climático. Mas apenas por uma experiência. Sempre percebi as estações tão diferentes. A tirania empolgante do verão. A presente mortificação causada por ele dentre os mais tímidos. Mas também uma ostensiva empolgação nos mais expansivos. Uma louca aguaceira de outono. Tonalidades de amarelo. A afirmação clara de que o tempo que passa possui uma cor. Não quando passa para frente. Mas quando retorque em passar em círculos por um eixo que envelhece e que suporta toda a dança da morte, enquanto pode. As noites longas do inverno. O sumiço dos insetos. A lentidão dos mosquitos. Talvez fosse preciso a insensibilidade rotunda dos classificadores para não perceber que a umidade que atravessa o ano é sempre tão distinta. Não sei se pela asma dos meus pulmões. Ou por qualquer outra razão. Mas o fole de respirar se altera por completo entre o inverno e o verão. Os amores nascentes à primavera. Seria preciso enviar os olhos cegados para Berlim para não ver. Continue Lendo
Dois temas em “O Retrato de Dorian Gray”: moldura e aventura – Número 35 – 10/2011 – [128-136]
– O prazer é a única coisa digna de uma teoria (…)
Lorde Henry (“O Retrato de Dorian Gray”)
Qual feitiço fez com que o retrato de Dorian Gray ganhasse vida (ou sequestrasse a vida de seu modelo)? Menos que tentar uma resposta plausível para essa pergunta, procurarei estabelecer uma leitura do livro que lide com esse enigma que não se esclarece e que anima a narrativa estabelecida por Oscar Wilde n’O Retrato de Dorian Gray. As aproximações a seguir poderão, neste sentido, servir a um estudo que busque comparar questões relativas à noção de “crise” no contexto da Alemanha e da Inglaterra da virada do século XIX para o XX, bem como as respostas relativas à reflexão estética e literária a esse contexto de abalo do espírito e da reflexão intelectual. A chave reflexiva a partir da qual operarei diz respeito a um exercício de definição de contrastes e analogias entre uma obra literária e alguns ensaios cujo conteúdo é estético, mas as consequências são sociológicas, filosóficas ou psicológicas, se desejarmos. Continue Lendo
A zona dos direitos – Número 34 – 10/2011 – [125-127]
O título desse ensaio é propositalmente ambíguo e nasce da estupefação perante a utilização da linguagem dos direitos para se falar em coisas como “direito à ciência – como na decisão da ADI 3510, pelo STF – e “direito fundamental ao desenvolvimento econômico e social”. Na linguagem corrente, a palavra zona pode designar apenas uma área ou região, como uma “zona comercial” enquanto área designada para o comércio. Mas a mesma palavra, dentre outras acepções, também designa desordem, bagunça, como quando, por exemplo, reclamamos que a casa está uma zona, isto é, a casa está uma bagunça. Logo, o título do ensaio pode ser entendido tanto como fazendo referência à “região dos direitos”, como à “bagunça dos direitos”. Tal ambigüidade se presta a manifestar uma afirmação a ser destrinchada ao longo do texto: “a zona dos direitos está uma zona!” Ou seja: a região dos direitos está uma bagunça! Comecemos então, aclarando a metáfora espacial que situa os direitos em determinada “zona”. Continue Lendo
Para Ler a Poética de Aristóteles – Número 32 – 10/2011 – [119-124]
Qualquer texto que trate da Poética deve colocar inicialmente duas questões. A primeira delas diz respeito ao seu objeto de estudo. A segunda diz respeito aos inúmeros problemas decorrentes da interpretação dos conceitos utilizados por Aristóteles para caracterizar este objeto de estudo, tais como mímesis e kátharsis, por exemplo. Trata-se de duas questões intimamente relacionadas. Dependendo da resposta dada à primeira questão, por muitos considerada de fácil resolução, poderemos nos encaminhar mais facilmente em direção a um caminho de resposta à segunda questão, considerada por muitos de resolução mais difícil e em torno da qual os especialistas se debatem sem chegarem a um consenso. Sendo assim, poderíamos simplesmente tomar estas duas questões como pontos norteadores de nosso artigo e tentar respondê-las a partir de uma leitura atenta do texto de Aristóteles, obtendo, deste modo, resultados aparentemente satisfatórios. Continue Lendo