O Brasil é um país de esmagadora maioria cristã. Um reflexo disso é que seu governo representativo é representativo de uma moralidade cristã. O partido no governo do país atualmente, mesmo podendo ser considerado um partido de esquerda, não pode encampar as reivindicações de uma esquerda moral, justamente porque se vê vinculado ao cristianismo tanto em sua criação quanto em sua expectativa de votos. Os ateus aparecem como a minoria mais abertamente discriminada no país e, numa campanha eleitoral, um candidato se assumir ateu é quase um suicídio político. Isso faz com que determinadas demandas, como revisão de leis anti-aborto e anti-drogas e expansão de direitos para minorias sexuais sejam sistematicamente excluídas de processamento legislativo e mesmo do debate público com ressonância nas casas legislativas. Um exemplo disso é a forma como a legalização do aborto adentrou na última campanha presidencial, não como um assunto a ser discutido, mas um tema a ser execrado. Continue Lendo
Democracia e Judicialização da moralidade cristã – Número 16 – 06/2011 – [60-62]
A fragilidade da bondade – Número 15 – 06/2011 – [57-59]
Aqueles que se detêm no transepto sul da catedral de Estrasburgo, deparam-se com duas belas jovens. A primeira, sem vendas nos olhos, representa a Igreja, ou o novo testamento, a escultura possui uma espada, um cálice e sustenta alguma altivez diante de outra jovem, a Sinagoga, aparentemente derrotada. A Sinagoga é também uma bela jovem, mas possui a cabeça baixa e virada para o lado oposto do movimento do corpo, denotando tensão, mas, sobretudo, aquiescência. A beleza da cega e da Igreja é relativamente correlata se observadas da perspectiva exterior aos olhos da Igreja. Pois, se nos colocarmos em campo aproximado ao que seria a perspectiva da Igreja sobre a Sinagoga, a beleza da segunda é quebrada, dando lugar à imagem que mostra um pescoço partido, a tortura do corpo e um hediondo abdômen. Continue Lendo
Tudo bem em Jerusalém; o mal é ocidental: Ensaio sobre o imaginário ocidental em correspondência a um relampejo etnográfico – Número 14 – 06/2011 – [44-56]
1. Jerusalém é uma cidade metafórica. Experimentar seu cotidiano é um desafio permanente de localização entre histórias milenares, passados míticos, micropolíticas afetivas e geopolítica global. Não apenas nossos caminhos nela se balizam por buscas voluntariosas, por promessas ouvidas no ultramar ou por peregrinações religiosas, mas nesta cidade nossas experiências são perpassadas por fenômenos densos, díspares e em doses colossais como raro se vê. Apesar dos impactos simbólicos repetitivos ao se caminhar pelas ruas, a digestão emocional do que se sente é lenta, e mais lenta é a compreensão intelectual do que se passa. Ao menos para o neófito observador que lhes escreve. A experiência em Jerusalém é especialmente metafórica, me parece. E, se toda metáfora é também uma metonímia, uma representação do todo pela parte, aqui o todo expressa sua irredutibilidade às partes… em toda parte. Continue Lendo
É Dilma quem tem que assumir a coordenação política, entrevista com Renato Lessa – Número 13 – 06/2011 – [39-43]
Uma coalizão formada por tantos diferentes partidos e ideologias, um PT fragmentado e um PMDB poderoso, com o vice-presidente Michel Temer fazendo do Palácio do Jaburu um centro alternativo de poder ao Alvorada são ingredientes que exigem da presidente Dilma Rousseff uma capacidade de articulação política que seu governo não tem demonstrado, independentemente da saída do Antonio Palocci, da Casa Civil. Para o cientista político, Renato Lessa, professor da Universidade Federal Fluminense, a presidente “tem que chamar para si a coordenação política”. Continue Lendo
Jabuticaba institucional – Número 12 – 06/2011 – [36-38]
Há vários experimentos em curso no planeta, nos quais o exercício do governo sustenta-se em amplas coalizões partidárias e parlamentares. A natureza crescentemente fragmentada das sociedades e seus efeitos sobre as escolhas eleitorais assim o determinam. Tomemos o caso de Israel: desde a sua fundação, em 1948, os governos naquele país, para obter o apoio do número mágico de, ao menos, 61 deputados fiéis, em um parlamento composto por 120 membros, sustentam-se em heteróclitas composições partidárias. Continuar Lendo
Como se forma a cultura pública? – Número 11 – 06/2011 – [34-35]
Em fins do ano de 1788, um padre radical francês envolvido com o processo revolucionário então em curso em seu país – o abade Emannuel Joseph Sieyèz (1748-1836) – escreveu uma pequena obra prima. A obra, editada em janeiro de 1789, denominava-se Qu’est ce qu’est le Tiers État? (O que é o Terceiro Estado?). Tratava-se de uma refutação aberta aos valores e procedimentos da cultura política do Antigo Regime, sustentada na divisão da sociedade francesa em três “estados”. O primeiro e o segundo dos quais ocupados pelo clero e pela nobreza. O restante – o Terceiro Estado – continha a maioria demográfica dos franceses. Maioria demográfica, minoria política, em rigorosa distinção para com os demais estados, minorias demográficas e maiorias políticas. Continuar Lendo
O Congresso e sua Surdez – Número 10 – 06/2011 – [31-33]
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da união civil homoafetiva manifesta uma tendência de longa duração na democracia brasileira. Não é de hoje que aquilo que a literatura especializada denominou como “judicialização” da política e das relações sociais emerge em diferentes episódios e ocupa, cada vez mais, a percepção da opinião pública em geral. O fenômeno, talvez diagnosticado desde a década de 1980, traduz entre nós certa passividade do Legislativo, por um lado, e um super-dimensionamento da atuação dos operadores do direito, por outro, sem que tenhamos nitidez acerca das suas causas. Certo é, no entanto, que sentimos suas conseqüências no decorrer dos anos, observando “arriscadas” experiências institucionais e “perigosos” precedentes na interpretação da Constituição. Continue Lendo